O globo, n. 31963, 09/02/2021. País, p. 6

 

Esquerda se divide sobre indicação de Haddad

Sérgio Roxo

09/02/2021

 

 

PDT, PSOL e PCdoB cobram “projeto” antes de nomes para 2022; alas do PT também reagem a movimento de Lula

A indicação feita pelo expresidente Luiz Inácio Lula da Silva para que Fernando Haddad assuma o posto de pré-candidato do PT à Presidência da República em 2022 provocou reações entre os demais partidos de esquerda. Políticos dessas siglas avaliam que o gesto dificulta a formação de uma frente para enfrentar o presidente Jair Bolsonaro, que pretende disputar a reeleição, e cobram dos petistas a apresentação de um programa de governo.

Até dentro do PT houve reações. O governador da Bahia, Rui Costa, que almeja concorrer ao Palácio do Planalto, não fez críticas diretas à indicação de Haddad, mas afirmou que “nada está definido” e que os projetos não devem ser individuais.

— Sou uma pessoa de projeto coletivo, não acho que a gente vá transformar o Brasil com projetos individuais. Tenho repetido há mais de um ano que é urgente e necessário que a gente possa fazer um debate sobre o que fazer do Brasil, para construir um programa de governo que seja o mais amplo possível e forme uma frente capaz de vencer as eleições — disse o governador petista, em entrevista à Rádio Salvador FM.

Em agosto do ano passado, Costa havia defendido, em entrevista ao GLOBO, que o PT deveria fazer aliança até com DEM e PSDB para vencer Bolsonaro na disputa pelo Planalto. Ontem, o governador disse que se o objetivo é ganhar a eleição, o programa de governo deve representar um segmento mais amplo do que o do partido.

Costa ainda evita dar como certa a candidatura de Haddad a presidente.

— O que entendi é que o presidente Lula sinalizou que precisa iniciar a caminhada de debate sobre 2022, de montar programa de governo, isso precisa estar personificado em alguém. O Haddad tem toda a legitimidade, mas acho que não tem nada definido. O próprio Lula, se tiver condições, vai avaliar a sua candidatura — disse o governador, se referindo ao fato de o ex-presidente estar com os seus direitos políticos suspensos por causa de condenações na Lava-Jato.

Já lideranças do PDT, do PSOL e do PCdoB reconheceram a legitimidade da atitude de Lula ao lançar Haddad, mas cobraram a construção de um projeto e a busca por alianças.

— Falta o Haddad apresentar um projeto. Ele quer ser presidente para quê? Nós estamos apresentando o projeto nacional-desenvolvimentista do Ciro (Gomes) desde a campanha presidencial passada — afirmou Carlos Lupi, presidente nacional do PDT.

“VISÃO HEGEMONISTA”

O dirigente pedetista acredita que os petistas correm o risco de disputar a eleição numa chapa sem o apoio de outras legendas.

— Até agora não vejo o PT tentar nenhuma aliança. Vejo eles fazerem uma política muito isolada.

Aliado de Ciro, o deputado André Mendonça (PDT-CE) falou que o exemplo de Cristina Kirchner, que aceitou ser vice de Alberto Fernandez, eleito presidente da Argentina  em 2019, nunca servirá para Lula e criticou a “visão hegemonista” dos petistas.

Governador do Maranhão e citado como possível presidenciável, Flávio Dino (PCdoB) seguiu na mesma linha de Lupi. “Indiscutível o direito de qualquer partido lançar candidato a presidente da República. Questões são outras: qual o programa e quais as alianças para derrotar Bolsonaro? Pois se há uma coisa que não temos ‘direito’ é de perder novamente para ele e prolongar tantas tragédias”, escreveu Dino no Twitter.

Segundo colocado na eleição para a Prefeitura de São Paulo e possível presidenciável do PSOL, Guilherme Boulos postou, logo após a divulgação da notícia sobre a escolha de Haddad, que defende que “a esquerda busque unidade para enfrentar Bolsonaro e, para isso, antes de lançar nomes, devemos discutir projeto”.

Horas depois, diante da reação dos petistas, Boulos, em uma nova postagem, tentou amenizar o tom e elogiou o pré-candidato do partido: “O PT tem o direito de lançar nomes para 2022. E eu tenho o direito de defender que o melhor caminho para a esquerda é construir um programa unitário e depois definir nomes. No mais, Haddad é meu amigo e um grande quadro. O resto é intriga de quem vive da pequena política.”