Correio Braziliense, n. 21079, 09/02/2021 Saúde, p. 11

 

Eficácia contra novas variantes

Vilhena Soares 

09/02/2021

 

 

A vacina contra a covid-19 desenvolvida pela empresa americana Pfizer, em parceria com o grupo farmacêutico alemão BionTech, mostrou-se eficaz para três variantes do vírus. Os pesquisadores observaram que a resposta dos anticorpos de pacientes que receberam o imunizante foi alta diante de duas novas formas do patógeno que surgiram no Reino Unido, porém um pouco mais baixa para a que tem origem na África do Sul. A constatação foi divulgada, ontem, na revista Nature Medicine.

Na véspera, outro estudo — ainda não revisado por especialistas — evidenciou, porém, que a vacina criada pela Universidade de Oxford e pelo laboratório AstraZeneca gera pouca defesa para casos leves e moderados da doença provocados pela variante sul-africana.

Os cientistas explicam que, para testar os efeitos dos fármacos nas novas formas do vírus Sars-CoV-2, é necessário identificar quais são as alterações genéticas de cada cepa. Nas análises feitas até agora na vacina da Pfizer, os pesquisadores encontraram duas mutações importantes: a primeira chamada de N501Y, presente nas três variantes escolhidas para o estudo, e a outra nomeada de E484K, vista apenas na sul-africana.

"Essas duas falhas de DNA estão localizadas na proteína principal do patógeno, e podem potencializar a capacidade de conexão com os receptores ACE2 do corpo, que ajudam o agente infeccioso a se espalhar", explicaram os autores do trabalho, liderado por Pei-Yong Shi, pesquisador da Universidade do Texas, nos Estados Unidos.

No experimento, a equipe liderada por Pei-Yong Shi projetou combinações das duas mutações e testou o material com soros (sanguíneos) de 20 participantes que receberam a vacina BNT162b, desenvolvida pela Pfizer/BionTech. "Todos os analisados haviam participado do ensaio clínico publicado anteriormente e que testou a eficácia do imunizante. Eles receberam duas doses com um intervalo de três semanas entre elas, e portanto já tinham produzido anticorpos contra a doença", detalhou o artigo da Nature Medicine.

Nas análises, os investigadores observaram que o vírus foi neutralizado nas três variantes testadas — porém, a resposta imune foi menor contra a mutação E484K. "São dados importantes, pois nos mostram que essa variante sul-africana precisa receber mais atenção dos especialistas devido a sua maior resistência", frisaram os cientistas.

Os autores do trabalho defendem que a evolução contínua do agente da covid-19 exige um monitoramento constante da eficácia da vacina para novas cepas. "Entender se os imunizantes atualmente desenvolvidos para Sars-CoV-2 também fornecem proteção contra essas mutações é uma prioridade urgente", frisaram no artigo.

Revisão

No último domingo, um estudo feito por cientistas da Universidade de Witwatersrand, na África do Sul, mostrou que a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford, em parceria com a AstraZeneca, gerou uma baixa proteção (22%) contra a infecção leve e moderada do novo coronavírus provocada pela variante descoberta no país. No trabalho, os pesquisadores avaliaram cerca de dois mil voluntários com média de 31 anos.

A equipe de Witwatersrand informou que o trabalho ainda será revisado e que não avaliou o efeito do imunizante em relação a casos mais severos da enfermidade. A AstraZeneca garantiu que sua vacina "pode proteger contra mortes, hospitalizações e as formas mais graves da doença", em declaração de um porta-voz do laboratório britânico à agência de notícias France-Presse (AFP).

No mesmo dia em que o estudo foi divulgado, o ministro da Saúde Zewli Mkhize informou que o país iria suspender o uso da vacina Oxford/AstraZeneca de seu programa de imunizações. Ontem, após a repercussão da notícia, o co-presidente do Comitê Consultivo Ministerial da África do Sul, Salim Abdool Karim, declarou que o país aplicará o imunizante de maneira gradual, para avaliar sua eficácia sobre a variante sul-africana.

Karim também disse que o plano é oferecer a fórmula protetiva a 100 mil pessoas e monitorar as taxas de hospitalização. "Não queremos vacinar com um imunizante que não seja eficaz para casos graves. Seremos prudentes, faremos a avaliação primária e depois vamos distribuir", afirmou, em um comunicado à imprensa.

Para Ana Karolina Barreto Marinho, especialista da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI), testes com as vacinas contra a covid precisam ser feitos constantemente para ajudar no controle da pandemia. "Esse monitoramento das mutações e a resposta dos imunizantes a elas é essencial. Só com esse tipo de trabalho poderemos realizar alterações nas fórmulas e assim manter uma proteção alta", opinou.

De acordo com a especialista, é importante ter a compreensão de que mesmo reações imunes mais baixas não são tão preocupantes. "Passa longe de ser algo desanimador, pois uma pequena proteção ainda é melhor que nenhuma, e pode evitar que complicações bem mais graves surjam", ressaltou. "Outro ponto que precisamos ter em mente é que temos várias vacinas sendo feitas, então, as chances de outras fórmulas preencherem essas lacunas são bem altas", complementou.