Título: Espírito dominante de um colegiado
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 15/11/2008, Opinião, p. A8

Não mereceu o devido destaque a invocação, pelo ministro-relator, Joaquim Barbosa, de um importante princípio no julgamento em que o Supremo Tribunal Federal, por 9 votos a 2, reafirmou o entendimento de que, como corolário do princípio da fidelidade partidária, os mandatos eletivos pertencem aos partidos, e referendou a resolução do Tribunal Superior Eleitoral destinada a estancar o troca-troca partidário. Trata-se do "princípio da colegialidade" ¿ aquele que, segundo sublinhou o ministro em seu voto vencedor, "deve sempre guiar a conduta dos membros de cortes supremas e de cortes constitucionais", levando-o a optar por votar com a maioria.

Quando do julgamento dos mandados de segurança, o ministro Joaquim Barbosa também foi vencido, juntamente com Grau e Lewandowski. Porém agora, como relator das ações de inconstitucionalidade supervenientes, ele não mudou seu entendimento pessoal: a presunção de que o sistema de eleição baseado na apuração proporcional pressupõe a identidade entre o interesse dos eleitores e a postura e o programa do partido. A seu ver, "não devemos confundir a vontade do partido político com a vontade do eleitor, pois o primeiro não pode substituir o segundo na escolha direta de seus representantes".

Contudo, em nome da segurança jurídica, deu ênfase ao "princípio da disciplina colegial" e afirmou no seu voto: "Ao reconhecer aos partidos políticos o direito de postular o respeito ao princípio da fidelidade partidária perante o Judiciário ¿ decisão na qual, é importante relembrar, eu fiquei vencido ¿ esta Corte, interpretando a Constituição, não lhes negou um meio processual para assegurar concretamente as conseqüências advindas de eventual desrespeito ao princípio então reconhecido".

Como se sabe, a decisão do pleno do STF foi tomada no julgamento de ações de inconstitucionalidade propostas pela Procuradoria-Geral da República e pelo Partido Social Cristão (PSC) contra a Resolução 22.610/07 do TSE, com base no argumento principal destacado pelo procurador-geral da República de que o TSE assumira o papel de "verdadeiro legislador" e violara a Constituição, que dá à União a competência privativa de legislar sobre matéria eleitoral. Foram votos vencidos os ministros Marco Aurélio e Eros Grau ¿ este último mantendo a posição que já adotara, em outubro do ano passado, quando o STF consagrou a fidelidade partidária, com base em mandados de segurança propostos por partidos oposicionistas, e sugeriu que o TSE editasse uma resolução para disciplinar o processo de cassação dos mandatos de parlamentares que migram de uma legenda para outra, sem justa causa. Para Grau, não há "previsão constitucional para perda de mandato por desfiliação de um partido e filiação a outro".

Sem que se desrespeitem os argumentos em sentido contrário dos dois ministros dissidentes, cabe ressaltar que Joaquim Barbosa teve espírito público para adotar o ponto de vista cristalizado pela maioria do tribunal, pelo menos até que o Congresso venha a aprovar uma lei específica que amenize a penalização da infidelidade partidária e cuja constitucionalidade, certamente, acabará por ser contestada no próprio Supremo. De acordo com Barbosa, "de pouco adiantaria a Corte reconhecer um dever (fidelidade partidária) e não reconhecer a existência de um mecanismo ou de um instrumento legal para assegurá-lo".