O globo, n. 31962, 08/02/2021. Sociedade, p. 6

 

Prioridade para vacinar

Ana Letícia Leão

Henrique Gomes da Silva

08/02/2021

 

 

Ministério da Saúde já recebeu 45 pedidos, de produtores rurais a aeronautas

O que diabéticos, personal trainers, trabalhadores dos Correios, fonoaudiólogos, produtores rurais, aeronautas, profissionais de limpeza, guardas municipais, burocratas das agências de regulação, seguranças privados, trabalhadores de telecomunicações e dentistas têm em comum? Todos fazem parte de grupos que pediram ao Ministério da Saúde para serem prioritários na vacinação contra a Covid-19. A pasta já recebeu 45 requerimentos para mudar a ordem da fila determinada pelo Plano Nacional de Imunização (PNI).

No levantamento obtido pela reportagem, há entidades setoriais, como a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), grupos de vítimas de problemas médicos, como a Associação dos Diabéticos e Amigos do Médio Paraíba, e órgãos públicos, como o Ministério da Economia.

Uma das categorias que tenta uma antecipação é a dos professores. Diante da demora da resposta do governo federal sobre o pedido, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) decidiu intensificar o lobby estadual e municipal.

— Definimos que vamos fazer um grande esforço de conscientização até o dia 12 em estados e municípios. Enquanto isso, nosso departamento jurídico está analisando as opções e, na semana que vem, vamos ver quais caminhos podem ser tomados — diz Heleno Araújo, presidente da CNTE, lembrando que os estados da Bahia e Rio Grande do Norte sinalizaram que poderiam atender à reivindicação.

A Federação Nacional das Apaes (Fenapaes, de pais e amigos dos excepcionais) é outra que aposta na regionalização. Ainda sem resposta do Ministério da Saúde, a entidade defende que os associados “façam diligências” em seus estados, com prefeitos e nas Câmaras Municipais, solicitando   a priorização.

—Até o momento, Piauí e Alagoas já aprovaram leis que inserem o grupo como prioritário — afirma José Turozi, presidente da Fenapaes.

JUDICIALIZAÇÃO DA VACINA

Especialistas acreditam que, em breve, demandas individuais para antecipar a vacinação começarão a chegar em grande número na Justiça. Caso a previsão se confirme, se verá algo similar às ações judiciais por leitos quando sistemas de saúde entraram em colapso em algumas capitais, como o Rio.

As primeiras manifestações do Judiciário, porém, indicam que o caminho não será fácil. Ricardo Lewandowski, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), negou liminar do Podemos para incluir pessoas com deficiência entre os mais prioritários. O partido se mobilizou a partir de uma iniciativa do senador Romário (Podemos-RJ). O parlamentar alega que o objetivo não é a busca de privilégio, mas sim de proteger pessoas mais vulneráveis.

Silvio Guidi, advogado sanitarista do escritório Vernalha Pereira, afirma que a decisão do STF indica uma tendência do Judiciário de respeitar o “poder discricionário” do governo ao elaborar o PNI.

— Toda a categoria ou grupo de pessoas pode conseguir argumentos para defender a necessidade de ser prioridade — afirma o advogado, que prevê número significativo de pedidos individuais de direito à vacinação imediata com base em atestados médicos ou condições específicas.

QUANTO MENOR, MELHOR?

Categorias com uma quantidade mais reduzida de pessoas acreditam que terão mais chances de sensibilização. Este é o caso, por exemplo, da Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante (ABCDT). Marcos Alexandre Vieira, presidente da entidade, afirma que, devido ao risco de maiores complicações da Covid-19 em pacientes renais, as 140 mil pessoas que fazem o procedimento e os 25 mil trabalhadores das clínicas deveriam entrar nas primeiras posições da fila pela vacina.

— No momento, estamos trabalhando com o convencimento. Enviamos o pedido ao Ministério da Saúde, vamos ver como isso evolui —diz Vieira.

Os sepultadores tiveram, até agora, sucesso parcial. João Gomes, diretor do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de São Paulo (Sindsep), comemora que a mais recente atualização do PNI, de 25 de janeiro, inseriu os trabalhadores do serviço funerário que tenham contato com cadáveres potencialmente contaminados nas prioridades. No entanto, São Paulo ainda não fez o chamamento ao grupo para a imunização.

Atualmente, a capital paulista tem 470 sepultadores em cemitérios municipais, sendo 250 servidores e 220 terceirizados. Os funcionários são responsáveis por enterrar de 250 a 350 corpos por dia. Só no Cemitério da Vila Formosa, o maior da América Latina, 30% dos corpos são de vítimas do coronavírus.

— O problema é que não tem vacina para todo mundo. Então, quem gritar mais alto "meu braço primeiro" vai levar — diz Gomes, do Sindsep.

Na lista dos que querem ser prioridade também estão os jornalistas. A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) orientou seus sindicatos filiados a pedirem aos governos estaduais e municipais a inclusão entre as prioridades, lembrando, em nota, que o mesmo ocorreu na campanha da vacinação contra o H1N1.

Até agora, no entanto, poucos conseguiram convencer o governo federal. Entre as exceções estão caminhoneiros e trabalhadores da construção civil e da indústria, incluídos como prioritários por ação do presidente Jair Bolsonaro.

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Antes prioritárias, grávidas ficam de fora

08/02/2021

 

 

Favorecidas em outras campanhas, gestantes agora geram debate entre especialistas por conta da falta de testes especificos

Usualmente inseridas como grupo prioritário na imunização brasileira, as grávidas estão, até o momento, excluídas dos primeiros vacinados contra o novo coronavírus, segundo as diretrizes do Ministério da Saúde. A decisão é apoiada por parte da comunidade médica.

Cecília Rotelo Martins, presidente da Comissão Nacional Especializada em Vacinas da Federação Brasileira de Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), diz que a gravidez não é motivo para receber a imunização primeiro.

— Se a grávida tiver comorbidades, aí precisa ser avaliado o uso da vacina — esclarece Martins.

Segundo a especialista, na falta de estudos específicos de vacinação contra a Covid-19 com grávidas, o caso de cada mulher deve ser analisado individualmente com o ginecologista.

— Quando a vacina da influenza surgiu, as gestantes também não eram prioridade nas primeiras fases. Geralmente, seja em qualquer vacina ou remédio, as primeiras, segundas e terceiras fases não incluem as gestantes — afirma a dirigente da Febrasgo.

NA FRENTE DA FILA EM ISRAEL

Maurício Abrão, professor de Ginecologia da Universidade de São Paulo (USP) e chefe do setor no hospital Beneficência Portuguesa na capital paulista, acredita que a diretriz de se analisar caso a caso é, na prática, difícil.

— Nas periferias, por exemplo, muitas pacientes não estão vendo seus médicos —pondera Abrão.

Mas alguns países, como Israel, que já vacinou mais de 60% da sua população, incluíram as grávidas nos grupos prioritários.

Por outro lado, no Reino Unido, outro campeão de vacinação, com quase 20% dos cidadãos imunizados, a diretriz oficial é para que as grávidas não tomem a vacina contra a Covid-19, devido justamente à falta de estudos.

“As vacinas ainda não foram testadas na gravidez, portanto, até que mais informações estejam disponíveis, aquelas que estão grávidas não devem receber esta vacina rotineiramente”, afirma a página do governo britânico.