Título: A conquista da dignidade para todos
Autor: Eduardo Suplicy
Fonte: Jornal do Brasil, 30/01/2005, Outras Opiniões, p. A11

Diversos paísesestão acompanhando, com enorme atenção,a experiência que está sendo realizada pelo Brasil para erradicar a fome e a pobreza absoluta

Certa ocasião, nos anos 30, o presidente Franklyn Delano Roosevelt, que desenvolveu o New Deal, programa para elevar o nível de emprego e renda, e enfrentar a grande depressão, recebeu um grupo de pessoas que lhe trouxe uma série de proposições. ''Elas são muito boas, eu as aprovo. Agora, saiam por aí e façam a sociedade me pressionar para que elas aconteçam'', falou Rooselvelt. Assim faz o presidente Lula ao interagir com centenas de organizações do Brasil e do exterior que lutam por um mundo melhor. Como exemplo dessa interação pode-se citar a participação do presidente e de seus ministros no Fórum Social Mundial. Na tarde do dia 27 último, por iniciativa da BIEN (Basic Income Earth Network) e da FIAN (Food First International and Action Network), realizou-se, sob a minha coordenação, a mesa redonda ''Do Bolsa-Família à Renda Básica de Cidadania'', que discutiu as formas de erradicação da fome e da pobreza. Cerca de mil pessoas participaram, com enorme interesse das exposições do ministro Patrus Ananias, dos assessores especiais do presidente José Graziano da Silva e Frei Betto, e dos professores Philippe Van Parijs, Maria Ozanira da Silva e Silva, Rolf Kunnërmann.

Patrus, Graziano e Frei Betto salientaram o quanto era saudável que a sociedade civil estivesse apoiando as diretrizes de um governo que pela primeira vez na história do Brasil colocou o combate à fome e à pobreza absoluta como prioridade fundamental. O professor Philippe Van Parijs ponderou que no momento de se implementar programas de transferência de renda é necessário observar três aspectos:

1. O da identificação: a dificuldade de o governo identificar corretamente que pessoas ou famílias têm o direito de receber um benefício definido em lei, especialmente na situação em que os potenciais beneficiários exercem boa parte das atividades na economia informal, com grande variabilidade de rendimentos;

2. O do estigma: refere-se ao sentimento de vergonha que por vezes as pessoas sentem ao precisar dizer: ''eu só recebo tanto epor esta razão necessito de um complemento de renda'';

3. O da armadilha de dependência: o modelo da transferência de renda pode levar a pessoa a ter o seguinte dilema: se eu conseguir uma oportunidade de trabalho que aumente meu rendimento para além do patamar previsto na lei, poderei perder o benefício, o que poderá criar um desestímulo ao trabalho.

A Renda Básica de Cidadania viria justamente a resolver estes problemas. Van Parijs entende que não se pode introduzi-la rapidamente. Daí a importância do programa Bolsa-Família, sobretudo porque alia a transferência de renda ao investimento no capital humano e social, dadas as exigências de vacinação das crianças até 6 anos, acompanhamento de seu desenvolvimento nutricional nos postos de saúde, freqüência escolar para as crianças de 7 a 16 anos e o estímulo para que os pais se alfabetizem ou façam algum curso profissionalizante.

No produtivo diálogo entre Patrus e Van Parijs, os dois trocaram idéias sobre como entrosar melhor as regras do Bolsa-Família com as do sistema tributário. Van Parijs ressaltou que enquanto as famílias de renda mais alta recebem isenções, na forma de abatimentos do imposto de renda por cada criança, as mais pobres têm o direito à modesta soma do Bolsa-Família.

Van Parijs frisou que diversos países do mundo estão acompanhando, com enorme atenção, a experiência que está sendo realizada pelo Brasil para erradicar a fome e a pobreza absoluta. Todos torcem para que o Brasil dê passos efetivos na direção de garantir real liberdade e dignidade para todas as pessoas.

P.S.: Quando o presidente Lula explicou aos visitantes estrangeiros, os protestos que recebia na abertura do Fórum Social Mundial - ''Os de fora não se assustem. Porque esses que não querem ouvir são filhos do PT que se rebelaram. É próprio da juventude, um dia eles amadurecerão e à casa retornarão. E nós estaremos de braços abertos para recebê-los'' -, fiquei feliz com a atitude do pai que relembrava a volta do filho pródigo. Assim como no evangelho, em que o pai perdoa o filho que abandonara a casa, é imperativo que o PT perdoe os que se rebelaram.