Título: Michael Jackson encara seu destino
Autor: Marcelo Ambrosio
Fonte: Jornal do Brasil, 30/01/2005, Internacional, p. A14

Policial que conduziu inquérito sobre acusação de abuso sexual conclui que astro pop é um pedófilo ''frio e calculista''

''I'm bad, I'm bad'' (''Sou mau'') dizia, com toda a propriedade, o refrão de um dos hits do popstar Michael Jackson. Amanhã, começa em Santa Maria, California, a primeira fase (seleção do júri) do processo por abuso sexual contra crianças, ao qual o astro pop responde desde 2003. Diante de um batalhão de jornalistas e esperados 5 mil fãs, Michael continuará tentando provar que o perfil de maníaco sexual frio e calculista que os investigadores formaram é falso. Porém, pelas evidências incluídas no processo, cujo conteúdo vazou na internet, sua situação é delicada.

O cantor não tem economizado. Seus advogados se empenham em uma batalha furiosa para vetar provas arroladas pela equipe do promotor Tom Sneddon, sem sucesso. Na semana passada, a Justiça autorizou o depoimento de um especialista em pedofilia. E um documentário exibido pela rede britânica ITV, pouco depois de o escândalo estourar, igualmente teve a exibição incluída.

O vídeo Living with Michael Jackson, do jornalista Martin Bashir, eviscerou o caso. Contou como Michael teria abusado de dois meninos, na época com 13 e 12 anos. O mais velho, por sinal, sofre de câncer e se aproximou do ídolo como um pedido especial. Foi recebido no rancho Neverland, em Santa Bárbara, em várias ocasiões. A irmã deles, de 16 anos, os acompanhava, mas era proibida de ficar no quarto. Diante da repercussão devastadora de ter assumido publicamente que dividia a cama com os meninos, noutro programa, três dias depois, na rede ABC, Michael desmentiu o abuso.

O chefe da defesa, Mark Geragos, quer incluir também esse material alegando que a mãe dos meninos, de 34 anos, pediu dinheiro para retirar a queixa - tentando um acordo similar ao feito há 10 anos, por Michael com a família de Jordan Chandler, pelas mesmas razões. Geragos também os acusa de mudar os depoimentos.

A confusão não pára aí. Alegando que fãs ameaçavam a família, o cantor e seus assessores, pelas investigações, os mantiveram como reféns no rancho. Isso rendeu ao astro pop uma acusação de conspiração.

A leitura das informações do inquérito a que o JB teve acesso mostra que, para a polícia, Michael Joe Jackson, 46 anos, será o astro da penitenciária. Numa delas, o detetive Paul Zelis conclui que há razões para crer que o réu é ''um pedófilo que tentou encobrir seus atos com subornos e intimidações''.

Fragmentos de depoimentos e relatórios de perícias e operações de busca em Neverland, indicam que o cantor montou uma atmosfera isolada na casa. Na cama, navegava em páginas pornográficas com os convidados, se masturbava diante das crianças e, em pelo menos uma ocasião, fez a mesma coisa com o menino menor, que ficou traumatizado com a experiência.

Tal intimidade só teria sido possível, para os investigadores, porque Michael Jackson construiu cuidadosamente no rancho uma falsa empatia com os jovens de forma a dominá-los. Especialistas do Centro de Prevenção a Abusos Contra a Infância de Santa Bárbara, que os entrevistaram (além da polícia de Los Angeles) dizem que o astro assumiu como seus todos os gostos dos garotos.

Os mesmos depoimentos, no entanto, têm contradições que deverão ser exploradas pela defesa. São, por exemplo, datas e horas dos abusos que não coincidem. Isso acontecia porque, segundo o inquérito, as crianças diziam que Michael mandou tirar os relógios de Neverland. Mas o menino de 13 anos ganhou do cantor um relógio.

De resto, há detalhes impressionantes. Eles contaram que Michael os chamava de Doo Doo Head e Blowhole . Os instruía a responderem que estavam vendo a série Os Simpsons na TV se alguém perguntasse o que faziam no quarto. Em uma sessão de navegação pornô, de acordo com uma vítima, o filho do cantor, Prince Michael, então com 3 anos, dormia ao seu lado. As bebidas alcóolicas, como vinho, vodka, rum e tequila, eram oferecidas em latas de refrigerante. O astro, inclusive, disseram, insistiu para que bebessem, mesmo alertado que o menino fizera tratamento de câncer.

Embora a irmã diga que não viu o abuso - Michael teria enfiado a mão no pijama do menino mais novo para masturbá-lo - ela repetiu os relatos dos irmãos sobre o que ocorria no cômodo (aberto por uma porta eletrônica cujo código de acesso reproduziram com exatidão) também feitos à polícia. Estes incluíram a recomendação do astro de que ''nada contassem mesmo com uma arma apontada para a cabeça deles''.

Segundo relatou o detetive da polícia de LA, Steve Sobel, ao ser ouvido em um hotel da cidade em março de 2003, o garoto mais novo contou que o cantor forçou o abuso dizendo que ''meninos que não se masturbam ficam loucos''. Quando ocorreu a ejaculação, Michael mandou que o menor se lavasse e lhe deu outra cueca. Em depoimentos posteriores, ele mudou o número de vezes que foi molestado, de cinco a duas (fato que não escapou à defesa). Mas em novembro de 2003, quando a Justiça autorizou a busca em Neverland, a peça de roupa foi achada no banheiro de Paris Jackson, a filha de 6 anos do astro.