Título: O CNJ tornou-se corporativista
Autor: Miguel, José Aparecido
Fonte: Jornal do Brasil, 16/11/2008, País, p. A10

Presidente da OAB-RJ vê avanços da Justiça no país, mas alerta para maior fiscalização de suas atividades.

A existência de bandos organizados à sombra do Estado brasileiro com ramificações nos três poderes da República e que fazem da corrupção um meio de vida para si próprios e de morte para milhões de brasileiros é criticada pelo advogado Wadih Damous, presidente da seccional do Rio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Do alto da experiência que lhe mostrou os meandros dos tribunais, Damous afirma que a Justiça melhorou no país, mas acredita que o Poder Judiciário só cumprirá seu dever se for bem fiscalizado. Daí vem a crítica: "O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tornou-se um órgão corporativista", lamenta o advogado, que vê com preocupação, também, casos de tráfico de influência no Judiciário.

O exercício da Justiça está melhor no país? Que sinais positivos a sociedade pode comemorar?

Em regra, melhorou. Os tribunais estão tendo mais verba para investir em infra-estrutura. Por isso, os serviços judiciais estão sendo prestados de forma mais eficiente e os andamentos dos processos judiciais estão mais céleres. No entanto, há muito ainda o que melhorar. O processo judicial ainda é muito burocratizado. E o controle do Judiciário, que seria feito pelo Conselho Nacional de Justiça, não está ocorrendo. Acrescento que, infelizmente, ainda nos deparamos com notícias de arbitrariedades e corrupções que maculam a credibilidade da nossa Justiça.

Quais os maiores problemas do Judiciário na atualidade, além da tão falada morosidade?

Falta de controle. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), criado pela Emenda Constitucional nº 45, precisa, urgentemente, exercer o papel para o qual foi criado: ser um fiscal atento do Poder Judiciário. A dificuldade que vemos no exercício desse papel decorre da composição do CNJ, cuja maioria dos assentos é ocupada por juízes. Desse jeito, o CNJ tornou-se um órgão corporativista, em vez de ser o órgão que exerceria, em nome da sociedade, o controle do Judiciário.

Qual sua opinião sobre as operações da Polícia Federal, especialmente aquelas que acabam prendendo figuras de destaque na sociedade?

As operações da PF são necessárias. Ninguém que está do lado da lei pode ser contra elas. Todavia, discordo dos abusos que, vez ou outra, ocorrem nessas operações. Não podemos tolerar grampos feitos sem autorização judicial, invasões a escritórios de advocacia sem o acompanhamento da OAB, vazamento de informações para os meios de comunicação, entre outras ilegalidades. Não se pode, a pretexto de combater o crime, por mais infamante que seja, cometer outros.

O uso de algemas, em caso de pobres, gera tanto debate e preocupação?

É lamentável que essa discussão só tenha vindo à tona quando a polícia passou a algemar desnecessariamente acusados que pertencem aos setores mais favorecidos da sociedade. Os menos favorecidos já são vítimas dessas arbitrariedades há muito tempo, e nunca se fez nada para se coibir isso. As algemas são uma técnica de imobilização e só devem ser usadas quando o preso oferece resistência à prisão ou perigo à integridade física do policial. Infelizmente, o que se tem notado, em alguns casos, é o uso indevido das algemas como forma de humilhação.

Como a OAB-RJ avalia os episódios envolvendo a Operação Satiagraha, a Polícia Federal fazendo cerco ao seu delegado (Protógenes Queiroz), a Polícia Federal (PF) investigando a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), os conflitos entre a PF e o Judiciário, enquanto o núcleo da questão - as denúncias de crimes de Daniel Dantas e outros - é embaralhado?

Causa-nos estranheza que o foco das investigações sejam agora os investigadores e não os investigados. Se algum agente público praticou irregularidades na chamada Operação Satiagraha, deve ser devidamente punido. Isso, no entanto, não deve servir de justificativa para desviar as atenções sobre o fato mais grave: a existência de bandos organizados à sombra do Estado brasileiro com ramificações nos três poderes da República e que fazem da corrupção um meio de vida para si próprios e de morte para milhões de brasileiros.

A Justiça brasileira tem condições objetivas, técnicas, jurídicas para não se deixar influir no julgamento de figuras destacadas e de elevado poder político e econômico?

Em princípio, a Justiça brasileira é imparcial e tem independência para julgar, com isenção, qualquer pessoa, inclusive figuras de elevado poder político ou econômico. No entanto, a manutenção dessa imparcialidade depende do controle da sociedade. O CNJ, que desempenharia esse papel, não tem atendido às expectativas. Exatamente por isso, cresce a importância de entidades como a OAB e a ABI, que sempre atuaram em defesa da sociedade. A imprensa também tem colaborado. A exposição do Judiciário na mídia tem trazido mais transparência e evitado situações indesejáveis.

A crise econômica internacional reduziu a elevada exposição do Poder Judiciário nos veículos de comunicação, que o senhor critica. Por que?

A imprensa tem colaborado muito para dar transparência ao Judiciário. Não tenho dúvida de que essa vigilância inibe irregularidades. Isso acontece, aliás, também com os outros poderes da República. A liberdade de imprensa é uma expressão da democracia e não pode, em nenhuma hipótese, ser coibida.

Para integrantes promotores e juízes, advogados apenas reclamam deles diante de causas perdidas, em autodefesa. O senhor concorda?

Todos, do melhor ao pior dos cidadãos, têm direito a defesa. Todos, do melhor ao pior dos indivíduos, têm direitos. E a função do advogado é defender esses direitos. Não raras vezes, o advogado é mal compreendido porque atua na defesa de um criminoso confesso. Mas até um criminoso confesso tem direito de ser julgado de forma justa e de ser condenado a uma pena proporcional ao crime que cometeu. O advogado não defende pessoas ou seus atos. O advogado defende direitos.

Por que os advogados resistem a passar por vistoria para ter acesso a seus clientes nos presídios?

É preciso compreender melhor essa questão. Não somos contra a vistoria nos presídios. Apenas defendemos que essa vistoria seja feita de forma civilizada, com detectores de metais e máquinas de raios x, como é feita nos aeroportos, por exemplo. Hoje, não raras vezes, o advogado que vai ao presídio visitar o seu cliente é obrigado a ficar nu na presença dos agentes penitenciários, o que é degradante. Defendemos uma vistoria que não humilhe a advocacia.

O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional a Lei 11.819, de janeiro de 2005, que autorizou a realização de depoimentos de réus e testemunhas por meio de videoconferências. Qual a posição da OAB-RJ? Qual sua opinião sobre o uso de videoconferências?

As videoconferências mitigam a atuação da defesa, pois afastam o advogado do seu cliente durante a realização do depoimento. O depoimento é um dos momentos mais importantes para a defesa. O cliente que presta depoimento sem ter a presença de seu advogado sente-se mais intimidado do que o normal, o que pode influenciar negativamente o exercício do direito de defesa. Entretanto, reconheço que, em casos excepcionais, a videoconferência pode ser necessária, sobretudo para evitar o risco de fuga do réu. Creio que o Judiciário poderia fazer uma ponderação caso a caso e realizar a videoconferência na hipótese de réus de alta periculosidade, quando for comprovado o risco de fuga.

A Constituição brasileira está completando 20 anos. Qual seu maior destaque?

O maior destaque da Constituição foi ter devolvido à cidadania ao povo, prevendo um amplo rol de garantias que asseguram ao indivíduo tudo o que ele precisa, objetivamente, para ser feliz. O nosso desafio, hoje, é consagrar, na prática, essas garantias. A Constituição também fortaleceu as instituições fundamentais de nosso Estado e criou as regras necessárias para a prosperidade da democracia.

Há quem defenda mudanças na Constituição. Que eventual adequação ela precisa ter?

Não vejo necessidade de mudança. Como disse acima, o que o Estado precisa fazer é concretizar os direitos assegurados pela Constituição. A Constituição previu um modelo ideal de Estado. E esse modelo precisa ser realizado.

O que o senhor espera dos novos prefeitos e especialmente do prefeito do Rio, Eduardo Paes?

Espero que o novo prefeito do Rio não se isole, mas dialogue com outros governos, com outros poderes e com as entidades representativas da sociedade, a fim de encontrar as melhores soluções para a nossa cidade. O Rio não pode prescindir da ajuda de todos. Não precisamos de idéias mirabolantes ¿ já estamos cansados disso ¿ e, sim, de trabalho conjunto.

Como o senhor acompanha os casos considerados como tráfico de influência no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ)?

Tenho acompanhado com preocupação. O problema desses casos é a prova do tráfico de influência, o que nem sempre é fácil. A OAB/RJ, sempre que toma conhecimento, tem feito denúncias e postulado a punição dos culpados. Um exemplo é a nossa representação, hoje no STF, contra aquele conhecido concurso da magistratura em que parentes de alguns desembargadores identificaram suas provas com liquid paper, para poderem ser aprovados.