Correio Braziliense, n. 21083, 13/02/2021. Economia, p. 6

 

Apesar das pressões, BB mantém reformas

Marina Barbosa 

13/02/2021

 

 

O presidente do Banco do Brasil, André Brandão, ainda não foi recebido pelo presidente Jair Bolsonaro para esclarecer os impactos do plano de reestruturação da instituição financeira — medida que quase custou a sua demissão no início do ano. Ontem, no entanto, o executivo com larga experiência no setor privado disse que o impasse com o Palácio do Planalto não passou de um "problema de comunicação". Por isso, garantiu que as medidas de corte de gastos estão mantidas e podem até ser ampliadas, com o fechamento de agências no exterior.

"Não conversei diretamente com o presidente Jair Bolsonaro, mas entendo que ele entendeu e pretendo, com mais calma, explicar o processo de eficiência assim que a agenda dele permitir", admitiu Brandão, na primeira declaração pública após o impasse sobre o plano de reestruturação do BB lançado em janeiro.

A remodelação do BB prevê o fechamento de 361 unidades de atendimento, sendo 112 agências, 7 escritórios e 242 postos de atendimento, além do desligamento voluntário de 5 mil funcionários. O plano irritou Bolsonaro em janeiro, depois que parlamentares se queixaram da desativação de agências em suas bases eleitorais. O presidente pediu a demissão de Brandão, em reação semelhante à que teve quando ameaçou dar um "cartão vermelho" a Waldery Rodrigues, secretário especial do Ministério da Economia, no ano passado — Waldery continua dando expediente até hoje. Apesar da irritação do Planalto, contudo, André Brandão não só permaneceu no cargo, como já deu início ao plano de reestruturação, para tentar mostrar ao mercado que o BB não está sujeito a interferências políticas.

Segundo o BB, os clientes começaram a ser comunicados ontem das primeiras agências que serão fechadas, em março, pois a ideia de concluir a reestruturação ainda neste primeiro semestre está mantida. Brandão explicou que a reestruturação visa trazer mais eficiência e adequar o banco ao novo perfil do cliente financeiro, que está mais digital e busca um atendimento mais personalizado.

Ele reconheceu, no entanto, ter sido "razoável" a preocupação da classe política com o impacto da medida, já que o plano foi anunciado por meio de um fato relevante ao mercado. Por isso, demonstrou a intenção de "melhorar no aspecto de comunicação com ele [Bolsonaro] diretamente", mas, também, com prefeitos, governadores e deputados, mostrando que a reestruturação não representa a saída do banco de nenhuma cidade do país. "Não estamos reduzindo ou desassistindo clientes, nem estamos saindo de cidades. Estamos em 4.883 municípios. Após esse movimento, continuaremos em 4.883 municípios", esclareceu o presdente do BB.

Brandão explicou que os municípios visados pela reestruturação, com apenas uma agência do BB, vão ganhar um correspondente bancário ou uma agência menor em troca. E revelou que, ao mesmo tempo em que vai fechar 361 postos de atendimento considerados ineficientes, o BB vai abrir outros canais de relacionamento com o cliente, voltados para os consumidores digitais, para o agronegócio e para os clientes de perfil investidor. "Estamos crescendo. Temos 18,3 mil pontos de atendimento no Brasil. Após essa movimentação, a gente vai crescer para 18,4 mil pontos", anunciou o executivo.

PDV e despesas
O Banco do Brasil ainda vai dispensar 7 mil colaboradores em pouco mais de um ano. A instituição registrou a adesão de 5,5 mil funcionários ao Plano de Desligamento Voluntário (PDV) lançado no início deste ano, além de 1,5 mil desligamentos e aposentadorias ao longo de 2020. Por isso, vai passar a contar com 86,1 mil colaboradores, ante os 93,1 mil contabilizados no início de 2020.

O impacto do PDV foi melhor que o esperado pelo BB, pois a ideia era alcançar 5 mil funcionários, e a adesão foi de 5.533 colaboradores. Por isso, a medida vai reduzir em R$ 780 milhões por ano as despesas correntes do BB, propiciando uma economia de R$ 2,9 bilhões até 2025 — R$ 200 milhões a mais que o projetado inicialmente, de R$ 2,7 bilhões de economia em cinco anos.

Ainda assim, Brandão não descarta a possibilidade de novos PDVs no futuro. Questionado pelo assunto por investidores, ontem, ao apresentar o resultado do banco em 2020, o executivo disse que, no momento, o BB "fez o que tinha que ser feito" e vai se dedicar à reciclagem da atual base de funcionários. Porém, indicou que novos PDVs podem ser avaliados no futuro, em caso de aumento do atendimento digital, que reduz a ida dos clientes às agências e é uma das prioridades do BB.

Corte de gastos
A reestruturação da rede de agências e o enxugamento do quadro de pessoal do BB fazem parte de um plano de eficiência que pretende cortar em 10% as despesas administrativas da instituição, hoje em torno de R$ 31 bilhões por ano. Para o banco, as medidas são necessárias para tornar o banco mais eficiente e rentável.

Por conta do perfil ainda conservador na geração de negócios e da grande quantidade de ativos que carrega, o Banco do Brasil tem registrado resultados mais modestos do que os concorrentes. No ano passado, por exemplo, o lucro líquido ajustado do BB caiu 22,2%, a R$ 13,88 bilhões, por conta do aumento de provisões decorrente da pandemia de covid-19. E o Retorno sobre o Patrimônio Líquido (RSPL ou ROE), ficou em 12,1%, abaixo dos seus pares, que registraram um ROE entre 14% e 19%.

Para este ano, as previsões também são mais enxutas no BB. O banco projeta, por exemplo, um aumento de 1,5% nas receitas. Por isso, segundo analistas, precisa se modernizar e cortar gastos para poder colher resultados mais robustos no futuro. O mercado, no entanto, ainda tem dúvidas sobre o alcance do projeto de modernização do banco, por conta dos impasses políticos evidenciados neste ano por meio do mal-estar entre Brandão e Bolsonaro.

"O resultado do BB teve uma potência menor que o dos pares. Por isso, vai ser necessário avançar na reestruturação. O Brandão está focado nisso. Porém, o BB vai ter mais dificuldade de avançar com essas pautas de transformação digital que outros bancos por conta do risco político", avaliou o analista da Ativa Investimentos Leo Monteiro.

Bancários e sindicalistas, no entanto, questionam os projetos, pois acreditam que o enxugamento do banco pode prejudicar o atendimento à população. "Os funcionários do BB compreendem e vestem a camisa da eficiência operacional, do retorno aos acionistas e de uma sólida governança. Mas uma empresa pública tem responsabilidade perante as carências do país", ressaltou a Associação Nacional dos Funcionários do Banco do Brasil (Anabb).

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Agências no exterior serão centralizadas

13/02/2021

 

 

Além de manter o plano de reestruturação doméstica, o Banco do Brasil (BB) vai rever a rede de agências mantida no exterior. A ideia é otimizar a atuação internacional, centralizando o atendimento nos locais de maior retorno.

As agências do exterior entraram na mira de André Brandão porque custam muito. Segundo o presidente do BB, a operação internacional tem peso equivalente à economia com o programa de desligamento voluntário que atingiu 5,5 mil funcionários e ainda tem um risco regulatório e operacional alto. Por isso, pode ser revista para que o banco mantenha o atendimento no exterior, mas "de forma mais centralizada e com uma estrutura mais enxuta".

"Nós temos uma atuação tradicional no exterior, mas discutimos internamente que está na hora de rever", disse o presidente do BB. "Vai passar por otimizar e centralizar em alguns blocos", acrescentou, o executivo, que pretende detalhar o assunto na próxima apresentação de resultados do BB.

Segundo Brandão, o foco da reestruturação externa ainda está sendo estudado. Porém, passa por centralizar o atendimento nos locais relevantes para o comércio exterior das empresas brasileiras e nos locais com muitos brasileiros residentes. O banco também pretende manter um centro de liquidez e pontos importantes na captação de recursos em moeda estrangeira. Assim, o programa de enxugamento deve preservar as agências dos Estados Unidos e do Japão.

A Anabb, no entanto, questiona a iniciativa. Afirma que a atuação internacional é lucrativa para o BB. "Faltam, ao Banco do Brasil, estratégias vencedoras. Basta olhar, por exemplo, que, enquanto os concorrentes avançam no agronegócio e na internacionalização, o BB recua", criticou, em nota, a Associação Nacional dos Funcionários do Banco do Brasil.

Analistas de mercado, por outro lado, veem a medida como um complemento do plano de eficiência do banco. Porém, acreditam que a questão política também pode afetar o desempenho da reestruturação externa. É que BB já avaliou o fechamento da agência que mantém na China, mas a medida pode "pegar mal e esbarrar no risco político" neste momento. (MB)

R$ 13,8 bilhões

Lucro líquido ajustado do BB em 2020 — queda de 22,2% em relação a 2019