Título: Conservadores rejeitam referendos
Autor: Bruno, Raphael
Fonte: Jornal do Brasil, 17/11/2008, País, p. A5

Parlamentares resistem a consultas populares que tramitam no Senado e na Câmara.

BRASÍLIA

Legalização do aborto, redução da maioridade penal, união civil entre homossexuais, reestatização da mineradora Vale, adoção do voto facultativo e até mesmo a recriação do Estado da Guanabara são apenas algumas das polêmicas propostas de plebiscitos que tramitam no Congresso Nacional. Nas comissões da Câmara e do Senado, dezenas de projetos de consultas populares relacionadas aos mais diversos temas aguardam por uma chance de serem votados.

O histórico de utilização de referendos e plebiscitos no Brasil não é nada animador para os parlamentares que vislumbram a possibilidade de, num futuro breve, ter a sua sugestão de consulta popular testada pelo crivo das urnas. Na história política moderna do país, em apenas três ocasiões o instrumento foi utilizado: em 1963, quando a população devolveu a João Goulart os poderes presidenciais que lhe haviam sido tolhidos pelo parlamentarismo, em 1993, quando novamente o eleitorado brasileiro demonstrou sua preferência pelo presidencialismo, e em 2005, quando a população decidiu não proibir o comércio de armas de fogo e munição.

Reestatização da Vale

Situação bem diferente, por exemplo, da encontrada em alguns estados norte-americanos. No início do mês, além de eleger o democrata Barack Obama como presidente e votar para cargos de deputado e senador, boa parte do eleitorado dos Estados Unidos teve a chance de opinar sobre legislações estaduais variadas, da união civil homossexual na Califórnia ao uso da maconha para fins medicinais, em Michigan, passando pela autorização do suicídio assistido, em Washington.

¿ Aqui no Brasil existe uma enorme resistência a dispositivos de iniciativa popular, uma resistência baseada num pensamento conservador que não vê com bons olhos a participação direta da população ¿ critica o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), autor do projeto de lei que prevê a realização de plebiscito para decidir sobre uma eventual reestatização da Vale.

A iniciativa, atualmente, aguarda parecer na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio. Pesquisas de opinião da época e de agora mostram que a maioria da população é contrária à privatização. O projeto é uma forma de trazer a pressão popular para dentro da Câmara.

¿ No momento em que se coloca esse tipo de decisão para a população, as elites políticas perdem o controle do processo e isso evidentemente não lhes interessa muito ¿ completa o cientista político e professor da Universidade de Brasília, Leonardo Barreto, lembrando do caso do referendo sobre a proibição da venda de armas de fogo e munição, quando, apesar do envolvimento de diversas autoridades políticas em favor do fim da comercialização, a população acabou por votar pela continuidade das vendas.

O referendo de 2005, por sinal, é um exemplo de que as resistências a uma maior utilização das consultas populares vão além de parlamentares e governantes. Três anos atrás, não faltaram críticas à Justiça Eleitoral e ao conceito do referendo como um todo por uma simples razão: custos. A consulta de 2005 significou para os cofres públicos um gasto estimado de R$ 270 milhões.

A solução, há tempos utilizada nos Estados Unidos e presente na maior parte dos projetos de plebiscitos que tramitam no Congresso brasileiro, é determinar que a realização de consultas populares ocorra apenas simultaneamente às eleições. Projeto de lei do deputado federal Carlos Cadoca (PSC-PE), estabelecendo exatamente isso, já foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara e está pronto para ir à discussão em plenário.