Título: O fracasso do G-20 e a Idade da Cooperação
Autor: Assis, José Carlos de
Fonte: Jornal do Brasil, 17/11/2008, Economia, p. A17

ECONOMISTA

O tempo de mandato do presidente dos Estados Unidos definitivamente não coincide com o tempo histórico que estamos vivendo. Entramos na Idade da Cooperação, e George Bush continua acreditando na hegemonia norte-americana, na imposição da vontade a outras nações pela força, no poder nuclear e na eficácia das guerras. Esse descompasso está na raiz do fracasso da reunião do G-20. A história aponta numa direção, e Bush se aferra a paradigmas anacrônicos e disfuncionais.

De todas as medidas cuja discussão fora anunciada previamente pelos participantes do G-20, apenas duas ¿ uma ampla ação de aumento coordenado dos gastos no campo fiscal, e o controle do movimento de capitais ¿ seriam realmente eficazes. Foram as duas bloqueadas pelos Estados Unidos, sempre acolitados pela Grã Bretanha. Lembraram-me um pacote de desespero no Governo Collor, este de 51 medidas perfunctórias, logo apelidadas pela imprensa de Pacote 51!

A crise financeira global só será superada mediante políticas coordenadas, ancoradas no princípio da cooperação, tanto nas relações entre as nações, quanto internamente às nações. Estamos no tempo da democracia com cidadania ampliada. Nesse contexto, a ação política que tentar soluções de Titanic, pelas quais só há barcos salva-vidas para a primeira classe, fracassará inexoravelmente. Bush já sentiu o gosto áspero disso ao tentar fazer um pacote elitista, e ter que aceitar ampliá-lo.

Felizmente a sobrevida de Bush no poder é curta. Alguma ação providencial fez com que a crise eclodisse quase às vésperas da sucessão presidencial. O rei morreu, viva o rei. Barack Obama, desde o início de sua campanha, colocou-se como um arauto da cooperação. Antes da crise financeira, isso ficou evidente na sua postura em relação à questão ambiental, outro campo em que a cooperação externa e interna é fundamental. Não para Bush, que renegou até o fim o Protocolo de Kyoto.

Às vésperas de hospedar o G-20, Bush proclamou que o Estado tem que manter distância da empresa privada. Não se deu conta de que o G-20 È uma reunião de Estados nacionais, cuja intervenção na economia é unanimemente considerada fundamental para a superação da crise. Na verdade, trata-se de uma proposição cínica, na medida em que seu próprio governo fez uma bilionária operação de intervenção para salvar instituições financeiras. Ficasse o Estado longe, e a América afundaria.

Bush é o excesso que, pelas leis dialéticas, produz o seu contrário. Jamais houve na história alguém que acumulasse nas mãos tanto poder e que tenha dado tantas mostras de incapacidade para usá-lo. Ele revelou o lado pior dos Estados Unidos, seu isolacionismo e egocentrismo primitivo, sua ganância de lucro, sua arrogância desenfreada. Felizmente, isso acabou. Obama é o outro lado dos Estados Unidos, o lado da generosidade, o lado regido pelo princípio da cooperação.

Algo disso está nas qualidades intrínsecas de Obama, mas uma parte mais relevante fica por conta do momento histórico de quebra de paradigmas, quando são as circunstâncias que exigem comando coordenado. A cooperação não é importante só porque Obama quer, mas Obama quer porque, pela razão ou intuição, percebeu que a cooperação será o motor que moverá a história doravante. Sem ela, não haverá estabilidade econômica mundial, e sem estabilidade econômica, não haverá estabilidade política.

E mais. Sem cooperação, será impossível estabilizar ou reverter o aquecimento global. Sem cooperação, não haverá como deter indefinidamente a proliferação nuclear e a ameaça de guerra. Sem cooperação, não haverá como disciplinar os fluxos financeiros de forma a evitar novas crises especulativas. Sem cooperação, a própria espécie está em risco. E nenhum país, mesmo os EUA, encontrará estabilidade sem estabelecer um protocolo de cooperação com as demais nações.

Por isso, acredito que entramos numa nova idade civilizatória, depois da Antiguidade, da Idade Média e da Idade Moderna. Cada uma delas teve suas características específicas, mas todas têm um traço comum: o uso da guerra como um recurso da política. Isso acabou. Acabou pelo excesso, como nas leis dialéticas. Com a acumulação desenfreada de arsenais nucleares e outras armas de destruição em massa, a guerra tornou-se inútil ou impossível. Também isso nos fez entrar na Idade da Cooperação. A reunião do G-20 foi o canto de cisne da velha ordem.