Correio Braziliense, n. 21084, 14/02/2021. Cidades, p. 18/19

 

Saúde mental que regenera

Cibele Moreira 

14/02/2021

 

 

Há quase um ano de isolamento social em razão do novo coronavírus, especialistas e profissionais da saúde alertam para os cuidados contínuos com o bem-estar mental. Crises de ansiedade, depressão e síndrome do pânico foram os sofrimentos psíquicos mais recorrentes durante este período de pandemia. Professora do Instituto de Psicologia e diretora de Atenção à Saúde Comunitária (Dasu/DAC) da Universidade de Brasília (UnB), Larissa Polejack explica que houve uma percepção muito clara do ciclo de emoções nos últimos 11 meses.
"No início, havia o medo desconhecido, de não saber o que estava enfrentando, além da adaptação na rotina de forma muito rápida. Isso deixou as pessoas ansiosas e preocupadas com a doença e sobre o que iria acontecer. A gente percebeu um aumento nos casos de depressão, principalmente com o distanciamento social e o luto por entes queridos pela covid-19", afirma a docente. "Por fim, estamos vendo uma banalização e negação da pandemia. O que está custando muito caro. As pessoas estão cansadas e com esgotamento de toda essa situação. Mas também vimos uma rede de solidariedade crescer", pontua.

Para a psicóloga, os cuidados com a saúde mental são primordiais e se tornaram ainda mais necessários no cenário atual. "Estamos todos passando por um momento de crise. Não é vergonha procurar ajuda. O que for feito agora, irá se refletir no futuro, por isso é importante não minimizar, olhar para a saúde mental e cuidar do bem-estar diário", destaca Larissa Polejak, que elenca alguns sinais de alerta: irritabilidade, problemas no sono, desânimo profundo e o uso abusivo de álcool e outras drogas. "É normal que as pessoas fiquem irritadas, mas quando essa irritabilidade atrapalha as relações, é um sinal de que algo não está bem", ressalta.

E pensando em como ajudar as pessoas a passar por esse período pandêmico, a Universidade de Brasília amplificou as ações de apoio para alunos, servidores, pais e a para a população em geral. "Tivemos um grupo voltado para aqueles que estavam enfrentando o luto pela perda de familiares em razão da covid-19 que recebeu gente de outros estados, além da terapia on-line comunitária e atendimento aos pais e à comunidade acadêmica", enumera a diretora de Atenção à Saúde Comunitária da UnB. De acordo com ela, foram mais de 2 mil atendimentos psicológicos feitos a professores, estudantes e técnicos, além de 455 práticas de meditação. Toda a oferta de serviços pode ser acompanhada pela página no Instagram @dasu_unb.

Outro projeto promovido pela UnB e pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), da Bahia, também tem sido um canalizador de apoio e acolhimento durante a pandemia. O e-Terapias oferece atendimentos psicológicos e emocionais, e conta ainda com orientações sobre como lidar com a covid-19 e com as pessoas infectadas. Todas as ações são feitas de forma on-line e gratuitas. As atividades são conduzidas por professores da UnB e da UESC, além de profissionais das secretarias de Saúde e de Desenvolvimento Social do município de Ilhéus (BA). Entre os serviços oferecidos estão as oficinas de meditação, círculos de diálogos temáticos, bate-papos literários e conversas sobre qualidade do sono e autoconhecimento. Para participar é preciso se inscrever no site oficial do projeto: www.eterapias.uesc.br.

Atendimento 24h
O Núcleo de Saúde Mental (Nusam) do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) tem dado suporte para as demandas relacionadas a transtornos psicológicos, como depressão e crises de ansiedade, no Distrito Federal. A gerente Central de Informações Toxicológicas e Atendimento Psicossocial do Samu, Carla Pelloso, conta que o serviço se mostrou essencial no período de pandemia. "O Núcleo de Saúde Mental existe desde 2016, mas temos observado um aumento nas demandas nos últimos anos. Com a pandemia, isso ficou evidenciado. As pessoas estão em casa angustiadas e sentem essa necessidade de conversar com alguém, e uma ligação já alivia um pouco desse sofrimento", afirma.

Carla conta que existem duas linhas de atuação dentro do Nusam. A primeira é o teleatendimento, em que um psicólogo ou assistente social recebe ligações da população com algum sofrimento psíquico. O acolhimento é feito 24h por dia e ocorre diariamente, sem interrupção. "Muitas vezes a gente consegue sanar pelo teleatendimento. Quando há a necessidade de uma intervenção presencial, uma equipe móvel se desloca com a ambulância especializada", pontua. No atendimento móvel, são disponibilizados um médico psiquiátrico, um enfermeiro, um psicólogo ou assistente social e condutor da ambulância. Para os casos mais delicados, há um acompanhamento por um profissional ao solicitante. Todas as demandas chegam pelo 192.

De acordo com Carla, ao longo de 2020, foram realizados 2.658 teleatendimentos, 1.029 atendimentos in loco e 962 acompanhamentos. Em janeiro deste ano foram 238 teleatendimentos, 98 in loco e 66 acompanhamento. Entre as assistências mais recorrentes estão casos de violência doméstica — que aumentaram durante o isolamento social —, de ansiedade, depressão e comportamento suicida. "Estamos passando por uma crise que terá reflexos e sequelas na saúde mental. Hoje a nossa sociedade vive de maneira diferente, é importante que a gente atue de maneira preventiva", ressalta Carla Pelloso.

A diretora de Serviços de Saúde Mental da Secretaria de Saúde, Vanessa Soublin, pontua outro ponto preocupante durante a pandemia. "No início, em março, percebemos uma queda nos atendimentos à saúde mental na rede pública, ocasionada talvez pelo medo da população de sair de casa. Depois, tivemos um retorno de casos bem mais graves, evidenciado pela falta de acompanhamento no tratamento", explica. Ela ressalta que todas as Unidades Básicas de Saúde são porta de entrada para quem está em sofrimento psíquico e, a partir da avaliação, é feito o encaminhamento a outros serviços especializados.

Porém, para quem quer prevenir crises e ter uma qualidade na saúde mental, pequenos gestos diários podem fazer a diferença. A psicóloga Larissa Polejack destaca alguns pontos que podem ser incluídos na rotina do dia a dia, confira no quadro.

Como manter a mente sã durante a pandemia

A psicóloga Larissa Polejack elenca algumas dicas que podem ser incorporadas no dia a dia, em casa:

» Manter uma rotina diária;

» Separe um horário para o trabalho;

» Um horário para o lazer, paraaproveitar a família (filhos, marido, esposa…) e para curtir a própria presença;

» Não deixe de olhar para aquilo que te dá prazer, como cozinhar, jardinagem, leitura, ver filmes, entre outras atividades;

» Não deixe morrer o diálogo. Converse com as pessoas do seu convívio, escute o outro e fale também. Mantenha o contato com amigos e familiares com ligação, videochamada e redes sociais;

» Tenha uma alimentação saudável;

» Tire alguns minutinhos para tomar sol e pisar na grama. Vitamina D é importante também, mas cada pessoa pode achar a melhor forma para incluir esse momento na rotina.

Serviço

Ações promovidas pela UnB

» Podem ser acompanhadas no Instagram @dasu_unb

» Projeto e-Terapias

» Mais informações e inscrições no site www.eterapias.uesc.br

Teleatendimento do Samu

» Pelo telefone 193

Meditação da Sociedade Vipassana

» Quartas-feiras, às 8h, com a meditação do sol

» Quintas-feiras, às 19h45, tem a meditação da bondade e gratidão

» Sábados com a prática ioga ou tai chi, às 16

» Os encontros podem ser acompanhados na página do Instagram @sociedade.vipassana

Ioga

» Projeto Nossa Hatha Yoga

» Sábado e domingo, às 10h

» Na 105 da Asa Norte, no gramado ao lado da Praça da Harmonia

» Todos devem ir de máscara e respeitar o distanciamento. Além de levar um tapete ou canga para a prática.

» Contribuição livre.

Sociedade Vipassana

» Todo sábado, às 16h

» Pelo Instagram @sociedade.vipassana

» Gratuito

Aulas no Youtube da Karla Pellicano

» Gratuito, livre acesso

Yoga da Fraternidade

» 26 de fevereiro, às 16h30

» Mais informações na página do Instagram @janecarmemyogini.

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Encontros com foco no acolhimento 

14/02/2021

 

 

A professora de ioga Karla Pellicano, 52, afirma que a prática é uma grande aliada para o bem-estar da saúde mental. "Vai muito além do físico, das posturas. A ioga vai muito de encontro com a meditação, traz a atenção para a respiração enquanto alonga o corpo. É um resgate para nós mesmos", afirma. "Você observa mais, reconhece o que não faz bem e deixa ir. Quando você se torna um observador, tem paz no coração", destaca. Além da prática aos sábados, na Sociedade Vipassana, Karla dá aulas em outros projetos gratuitos no Distrito Federal (leia Serviço).

E pensando o ioga como uma alternativa de ajudar outras pessoas durante a pandemia, a professora da prática Jane Carmem de Souza, 38, coordena o projeto colaborativo, Yoga da Fraternidade. "Teve início em abril, a partir da demanda dos próprios alunos regulares. E percebi o quanto essas aulas foram essenciais para enfrentar esse período. Os alunos chegavam muitos ansiosos e hoje virou uma rede de cuidado, de escuta", explica Jane.

Os encontros ocorrem quinzenalmente pela plataforma do Zoom, gratuitamente. A duração é entre 1h30 e 2h. Na prática, além da ioga, o projeto acolhe experiências e vivências de outras pessoas, quem sabe cantar faz a trilha sonora e fica aberto para compartilhamento de quem se sentir à vontade. Só é necessário combinar com a professora antes para ela organizar como será o encontro. E, no fim, é proposta uma escuta consciente, um espaço aberto para cada um falar o que estiver sentindo no momento.

De acordo com Jane, a procura pelo projeto foi grande. "O excesso de carga emocional fez com que as pessoas procurassem a ioga para aliviar o estresse. E a demanda foi diversa, teve pessoas que nunca fizeram a prática antes, algumas retornaram, e outras que não se adaptaram com o formato on-line", explica. Além dos praticantes, o projeto contou com a participação de outros profissionais do Brasil e de outros países. Em dezembro, Jane apresentou o Yoga da Fraternidade no Congresso de Ciência e Meditação na Espanha.

"A iniciativa foi pensada com o intuito de favorecer a saúde mental e o acolhimento. E a experiência está sendo ótima. Desejo muito que o projeto floresça ainda mais. Para mim, ioga é muito curativo e cada processo é único", ressalta Jane Carmem. O próximo encontro será em 26 de fevereiro, às 16h30. Mais informações na página do Instagram @janecarmemyogini.