Título: Quixote, Sancho Pança e Suplicy
Autor: Faria, Tales
Fonte: Jornal do Brasil, 18/11/2008, Tema do Dia, p. A2

O senador Pedro Simon (PMDB-RS) aproveitou o dia morno, ontem, no plenário do Senado, para anunciar uma tese gelada que dificilmente mobilizará multidões: ele, seu colega Cristovam Buarque (PDT-DF) e o paulista Eduardo Suplicy (PT) vão percorrer o país para debater a eleição presidencial de 2010.

Aproveitando-se da mídia recente em torno das eleições americanas e da escolha de Barack Obama, Simon defende a realização de prévias para a sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sugere, explicitamente, que o Brasil poderia seguir o exemplo dos EUA, que escolhem seu presidente "num longo processo democrático que mobiliza o país".

Bem, antes de mais nada, é preciso dizer que esse processo de escolha de presidente americano não é tão democrático assim. Colégios eleitorais inteiros, nos estados, são obrigados a votar num único candidato, vitorioso nas prévias, mesmo quando a diferença de votos não foi tão alta. Uma anomalia que resultou, oito anos atrás, na eleição de George Bush para presidente, com minoria. Naquela época, falou-se muito mal do sistema. Agora que deu Obama, temos essa onda aí, de que, nos EUA, a democracia é uma beleza.

Depois, é preciso ser bem claro sobre qual a questão que está levando Simon, Suplicy e Cristovam a quererem percorrer os estados. Não é nenhum sentimento menor. Mas é preciso falar claro: querem um candidato alternativo à ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff ¿ nome escolhido pelo presidente Lula ¿ para presidente.

Disse Simon, em plenário, que, pela primeira vez depois de cinco eleições, o nome de Lula não constará da cédula de uma campanha presidencial: "Esta será uma eleição diferente, não existe candidatura natural, o próprio PT ainda não acatou o nome apoiado por Lula, da ministra Dilma Rousseff", argumentou. E insistiu que o PMDB é o maior partido do país, mas "que, da forma como é dirigido, ficou reduzido a um acessório nas eleições presidenciais". Simon afirma que não defende explicitamente a candidatura própria, "porque a direção do PMDB vai usar isso para negociar com o PT ou o PSDB".

Tem razão o velho senador. Quando o presidente nacional do PMDB, Michel Temer, fala em candidatura própria, ele só está querendo, de fato, aumentar o valor do PMDB na barganha. O próprio Simon já foi usado assim: lançaram-no candidato para melhor negociar com o presidente da época, que era Fernando Henrique Cardoso.

É uma pena, mas essa caravana de Simon, Cristovam e Suplicy é a caravana dos rejeitados. São três senadores da melhor qualidade, mas têm andado meio na contramão eleitoral. Cristovam foi um pouco além dos 2% como candidato a presidente nas últimas eleições. E, agora que o presidente de seu partido, Carlos Lupi, entrou de cabeça no governo, dificilmente o PDT lhe dará a legenda novamente. Suplicy ¿ meio que boicotado pela direção nacional do PT ¿ elegeu-se senador com uma pequena margem sobre Guilherme Afif, do ex-PFL.

Mas nem tudo está perdido para eles. Simon e seu grupo reelegeram o prefeito de Porto Alegre, José Fogaça. Não têm voz no PMDB nacional, mas mantêm seu pequeno império no Sul. E Suplicy, como sempre, teve o destino a seu favor. A derrota de sua ex-mulher, Marta Suplicy, acabou com o último nome com força eleitoral em São Paulo ¿ que não o do senador ¿ para a disputa a governador em 2010.

Lula e o PT não morrem de amores pelo companheiro de partido, mas, sem ele, sairão com quem? Aloizio Mercadante queimou-se completamente nas eleições anteriores, quando foi derrotado por José Serra em meio a boatos de fabricação de dossiês contra os tucanos. José Dirceu e Ricardo Berzoini, os dois nomes de peso dentro do partido no estado, não têm grande patrimônio eleitoral. Faltam-lhes votos!

Lula pode não gostar de Suplicy. Mas, se decidiu eleger Dilma Rousseff, talvez tenha que fazer o sacrifício de colocar o senador na campanha, trazendo apoios para sua candidata. Afinal, escolher um poste no resto do Brasil e, ainda, escolher outro poste para tentar eleger no principal colégio eleitoral do país seria mais do que temeridade. Seria burrice mesmo. E o presidente já deu mostras de que não é burro.