Título: A crise no caminho do acordo
Autor: Costa, Gabriel; Dantas, Cláudia
Fonte: Jornal do Brasil, 18/11/2008, Tema do Dia, p. A2

O compromisso dos líderes do G-20 em completar as negociações da Rodada Doha até o fim do ano, assumido na reunião do grupo em Washington no último fim de semana, ganha força com a necessidade de aplacar o impacto da crise, mas esbarra, de forma paradoxal, na própria turbulência financeira, uma vez que a cautela das economias afetadas pode dificultar as negociações.

Depois de uma reunião convocada ontem pelo diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, para definir os passos a serem tomados até dezembro, diplomatas disseram que os ministros podem ser convidados para uma reunião em Genebra para negociar o acordo, mas não há uma data definida. Segundo Lamy, muitos assuntos técnicos sobre as negociações ainda precisam ser resolvidos.

"Este elevado nível de compromisso para melhorar o sistema de comércio mundial é vital para o sucesso de nossas negociações. O que precisamos agora é que esta prova de apoio se traduza em ações na mesa de negociações em Genebra", disse Lamy, em comunicado.

O comprometimento, no entanto, não é unânime. O ministro do Comércio da Índia, Kamal Nath, por exemplo, disse ontem que não pretende ceder em questões como a proteção do setor agrícola, que travou a reunião da OMC em julho.

O vice-presidente da Associação dos Exportadores do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, ressalta que um acordo seria positivo para o momento econômico, ao possibilitar o crescimento do comércio exterior mundial, ao invés da desaceleração projetada, mas se declara cético quanto ao curto prazo estabelecido para as negociações.

¿ Todos vão querer utilizar Doha como a solução para os seus problemas e isso dificulta ainda mais um consenso. Os objetivos são antagônicos nesse momento, todos vão querer exportar e ninguém vai querer importar ¿ diz Castro.

O professor de Relações Internacionais da ESPM-SP, Heni Ozi Cukier, também considera impraticável um consenso até o fim do ano em uma discussão que levou anos, e não chegou a lugar algum.

¿ Com a clara demonstração da fragilidade dos sistemas, Doha ficará ainda mais distante, porque os países vão proteger seus interesses ¿ explica Cukier, que acredita que o "Brasil deveria ser mais pragmático" e investir no desenvolvimento do programa do etanol com os americanos ao invés de "tentar encabeçar movimentos de pouco efeito prático".

O economista-chefe da Investport, Dany Rappaport, compartilha da mesma opinião. Para Rappaport, se a Rodada já tivesse sido concluída, "o Brasil sairia prejudicado. Ganharia no setor agrícola, porém em várias outras cadeias, como remédios, enfrentaria longas brigas de barreiras protecionistas e tarifas altas".

Para o colega da MB Associados, Sergio Vale, é hora de aguardar os nomes da nova equipe de governo do presidente eleito nos Estados Unidos, Barack Obama.

¿ O nome do negociador de Doha, por exemplo, influenciará os rumos do futuro governo ¿ avalia, mas ressalta que Obama deverá se concentrar no mercado interno.

¿ Tudo indica que poderá investir em negociações bilaterais, como por exemplo, a questão do etanol com o Brasil ¿ aposta Vale.

Já Ivo Chermont, da Modal Asset, é mais pessimista quanto ao futuro mundial, e isto inclui a Rodada Doha e a reunião do G-20.

¿ Seria bom que avançássemos nas negociações multilaterais, mas não vejo como agora ¿ ressalta. ¿ Além disso, Obama pode dificultar as chances de conciliação, caso invista na política protecionista.

José Augusto, da AEB, lembra que, independentemente das posturas de Obama, caberá ao Congresso ratificar as alterações decididas em um eventual acordo de Doha.

Enquanto Obama não assume, muitas dúvidas sobre o futuro da economia global ficarão no ar. Prova disso é que, ontem, o secretário de Tesouro, Henry Paulson, anunciou que vai reter os US$ 700 bilhões aprovados pelo Congresso, para tentar debelar a crise, até sua posse.