O globo, n. 31970, 16/02/2021. País, p. 6

 

Pres­si­o­nar STF é 'ina­cei­tá­vel', diz Fa­chin

Aguirre Talento

16/02/2021

 

 

Ministro criticou relato do general Villas Bôas sobre tuíte publicado na véspera do julgamento de habeas corpus de Lula
O ministro do STF Edson Fachin declarou ser "intolerável" qualquer "pressão sobre o Poder Judiciário". Há uma semana, o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas revelou que sua mensagem publicada na véspera de o STF negar um habeas corpus a Lula, em 2018, foi debatida com a cúpula da Força.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin afirmou, em nota divulgada ontem, que a pressão de militares sobre o Poder Judiciário é "intolerável e inaceitável". A manifestação do magistrado foi em resposta ao relato em livro do general Villas Bôas, ex-comandante do Exército, que contou os bastidores sobre a elaboração e publicação de uma manifestação do general nas redes sociais no dia do julgamento de um habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2018.

Em 3 de abril de 2018, véspera do julgamento do habeas corpus, Villas Bôas escreveu no Twitter: "Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do país e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?". A declaração foi vista como uma pressão sobre os ministros para manter Lula preso.

Fachin era o relator do habeas corpus de Lula, que buscava impedir preventivamente que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) determinasse sua prisão. Fachin negou o pedido da defesa do ex-presidente e entendeu que o TRF-4 poderia, sim, determinar o cumprimento da pena após o julgamento do recurso em segunda instância.

Na ocasião, coube ao ministro Celso de Mello, decano da corte que se aposentou no fim do ano passado, dar a resposta institucional a Villas Bôas.

— O respeito indeclinável à Constituição e às leis da República representa o limite intransponível a que se deve submeter os agentes do Estado, quaisquer que sejam os estamentos a que eles pertencem — disse Celso, durante o julgamento.

"GUARDA DA CONSTITUIÇÃO"

Ontem foi a primeira vez que Fachin se manifestou sobre o episódio: "Diante de afirmações publicadas e atribuídas à autoridade militar e na condição de relator no STF do HC 152752, anoto ser intolerável e inaceitável qualquer forma ou modo de pressão injurídica sobre o Poder Judiciário. A declaração de tal intuito, se confirmado, é gravíssima e atenta contra a ordem constitucional. E ao Supremo Tribunal Federal compete a guarda da Constituição", afirmou o ministro.

Em sua nota, Fachin ainda fez referência ao editorial do GLOBO de domingo passado, que alertou a necessidade de a campanha eleitoral de 2022 ser feita com lisura e que o resultado das urnas seja garantido.

Fachin também cita o artigo 142 da Constituição, que descreve o papel das Forças Armadas: "As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem".

O ministro continua: "Frustrou-se o golpe desferido nos Estados Unidos da América do Norte contra o Capitólio pela postura exemplar das Forças Armadas dentro da legalidade constitucional. A grandeza da tarefa, o sadio orgulho na preservação da ordem democrática e do respeito à Constituição não toleram violações ao Estado de Direito democrático".