O globo, n. 31966, 12/02/2021. País, p. 5

 

Supremo decide que não há direito ao esquecimento

Carolina Brígido

12/02/2021

 

 

Para maioria dos ministros, proibir exposição de fatos verídicos do passado equivaleria a censura; excessos devem ser analisados

Por nove votos a um, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem que não existe o direito ao esquecimento —ou seja, a possibilidade de proibir empresas de internet e veículos de comunicação de exporem um fato sobre determinada pessoa, mesmo que seja verídico. Para a maioria dos ministros, o direito à intimidade não deve se sobrepor ao direito à informação. Apenas Edson Fachin votou no sentido contrário. Luís Roberto Barroso não participou do julgamento porque já tinha atuado em um caso semelhante quando era advogado.

O caso opõe dois direitos: de um lado, a liberdade de expressão e de imprensa, e, do outro, o direito à intimidade. O processo em discussão é de autoria da família de Aída Curi, morta em 1958 no Rio após tentativa de estupro. Os parentes pedem a reparação de danos em razão de o assassinato ter sido relembrado pelo programa “Linha Direta”, da TV Globo, em 2004. O caso tem repercussão geral. Portanto, a decisão tomada pelo Supremo deverá ser seguida por juízes e tribunais de todo o país.

De acordo com a tese aprovada, “é incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como um poder de obstar em razão da passagem do tempo a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais”.

O texto acrescenta que “eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais — especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral —e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível”.

DIREITO DE LEMBRAR

Cármen Lúcia foi a primeira a votar ontem. Para a ministra, “não pode haver censura presente sobre fato passado”.

— A minha geração lutou pelo direito de lembrar. A gente luta no Brasil pelo direito de lembrar, até para esquecer, para refazer a História, para não repetir o que tenha sido cruel, desventuroso, humanamente improprio. Silêncios, omissões e segredos que não são mostrados com transparência podem ser instrumentos de práticas ditatoriais. Cada um tem o direito de deslembrar o que se quer, mas não de impor isso ao outro, ou que o outro não saiba. Não pode haver censura presente sobre fato passado —disse a ministra.

Presidente do STF, Luiz Fux ponderou que, quando um caso é notório e marcante na sociedade, não se pode invocar o direito ao esquecimento:

—O valor da reportagem está exatamente no resgate histórico desse crime, para um efeito pedagógico demonstrar que o Brasil caminha para eliminar esses episódios e também um caráter didático. Esse caso consta de livros de Direito, Sociologia, História, Antropologia. Quem quiser resgatar o caso, pode ir à Biblioteca Nacional, há jornais e revistas que contam esse lamentável caso —disse, e completou: O direito à liberdade de imprensa supera o direito ao esquecimento nesse caso concreto. Há fatos que são efêmeros, mas há fatos que são históricos.

Anteontem, Alexandre de Moraes disse que o direito ao esquecimento significaria censura prévia. E que eventuais abusos devem ser analisados caso a caso, após a publicação ou veiculação da notícia ou informação. Rosa Weber concordou. Para ela, “o direito à privacidade não significa passar a vida inteira sem ser incomodado”. Kassio Nunes Marques defendeu que o direito ao esquecimento não existe. Mas, concordou que a família da vítima do caso em julgamento seja indenizada por dano moral, já que a história do crime foi divulgada por programa de TV. Gilmar Mendes votou no mesmo sentido.

Edson Fachin foi o único voto divergente e reconheceu o direito ao esquecimento, embora tenha destacado que haja preferência na legislação brasileira à liberdade de informação. Ele avaliou que não houve abuso por parte da TV Globo.