O globo, n. 31966, 12/02/2021. País, p. 6

 

Procurador faz desabafo sobre mensagens vazadas

Aguirre Talento

12/02/2021

 

 

Ex-integrante da Lava-Jato, Orlando Martello disse, em e-mail enviado aos seus colegas, que conversas se davam em “ambiente de botequim”; ele diz não se recordar da maior parte dos diálogos, mas não contesta sua autenticidade

Ex-integrante da Lava-Jato de Curitiba, o procurador regional Orlando Martello enviou um e-mail aos seus colegas fazendo um desabafo sobre o teor dos diálogos mantidos entre os integrantes da operação, que vieram a público após hackers terem invadido o aplicativo Telegram usado pelo então coordenador da força tarefa, Deltan Dallagnol.

Em uma espécie de mea culpa, Martello afirma que o grupo de conversas era “uma área livre, uma área de descarrego em que expressávamos emoção, indignação, protesto, brincadeiras” e que, por conta disso, “podemos ter extrapolado muitas vezes”. Ele chega a comparar o espaço com um “ambiente de botequim”, para deixar claro que eram conversas informais e passar o recado de que aqueles pensamentos não interferiam na atuação técnica da força-tarefa, dizendo que “sempre prevaleceu a razão”.

A autenticidade da mensagens vinha sendo contestada pelos procuradores desde o início da revelação das conversas pelo site “The Intercept Brasil”, em 2019. Recentemente, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), liberou à defesa do ex-presidente Lula o acesso ao material apreendido com os hackers, em operação da Polícia Federal. Os diálogos mostram procuradores comentando fatos políticos e discutindo atuação e andamento de processos. Também foram hackeadas conversas de procuradores com Moro, em que o então juiz discute estratégias de atuação do MPF em casos da operação.

A interlocutores, o procurador Orlando Martello afirma que, no texto publicado na rede interna do Ministério Público Federal (MPF), não reconhece a autenticidade das mensagens hackeadas da Lava-Jato.

“ERAM NOSSOS ‘NUDES’”

Martello afirma não se recordar da maior parte das conversas, mas não chega a contestar a autenticidade dos diálogos. Diz que as conversas foram tiradas do contexto e isso distorceu o sentido das frases proferidas pelos procuradores.

“Sinceramente, não me recordo da grande maioria das mensagens... e digo isso com sinceridade mesmo! Foram tantas mensagens, muitas em finais de semana, em dias festivos, de madrugada. Fizemos várias intervenções em plantão de recesso, uma prisão no dia 31, um pouco antes da virada do ano. Certamente os diálogos da época podem estar permeados com sons de brindes de espumante e cardápio da ceia. Mas não estou aqui para negar as mensagens, mas para dar satisfação!”, escreveu.

Ele prossegue explicando que todas as investigações da força-tarefa eram divididas entre os seus integrantes e as decisões importantes eram todas tomadas em reuniões colegiadas.

“Para que fossem produtivas e objetivas, adotamos o método de fazê-las em pé, ao redor da mesa de reuniões, sempre no início da tarde, antes das audiências. Aqui estava a institucionalidade das reflexões e decisões. Quanto ao grupo de Telegram, creio que todos têm noção do que ocorre. Era uma área livre, uma área de descarrego, em que expressávamos emoção, indignação, protesto, brincadeiras..., muitas infantis sim. Sem dúvida, podemos ter extrapolado muitas vezes. Eram (ou são) os nossos ‘nudes’, uma área em que os pensamentos são externados livremente e sem censura entre amigos, alguns de mais de décadas. Expostos a terceiros, causa vergonha!”, afirmou.

Martello cita que, por exemplo, a expressão “equipe de Moro” usada por um dos integrantes para se referir à forçatarefa era uma ironia ao fato de um veículo de comunicação ter se referido assim a eles.

“Não bastasse, na exposição dessas mensagens, a questão se agrava quando a reportagem suprime um ‘kkk’ da linha imediatamente abaixo do texto ou ignora o ‘kkk’ tardio, que veio mais à frente, atropelado pela enxurrada de mensagens que se seguiram. Também a inobservância do contexto é suficiente para alterar todo o sentido da mensagem”, disse ele, no texto.

Martello era um dos procuradores mais experientes da força-tarefa, por já ocupar a função de procurador regional, segundo degrau na hierarquia do MPF. Ele deixou a força-tarefa no início deste ano, após a extinção do grupo e criação do Gae copela Procuradoria Geralda República( PGR ).

Em seu desabafo, Martello ressalta que, ainda que as mensagens possam sugerir uma atuação “inapropriada”, a força-tarefa sempre se pautou pela lealdade processual e tomou decisões baseada unicamente na razão.

“O que sempre prevaleceu, e isso deve-se ao esforço coletivo, foi a razão e não a emoção. Do ponto de vista jurídico, tudo o que era relevante foi para os processos, sem qualquer omissão, fraude, seguindo a lealdade processual. É lá (nos autos ), penso, que nossas atuações devem ser analisadas e contestadas; jamais nos pensamentos, que são externados livremente e sem censura entre amigos em uma rede informal de comunicação”, disse.

O procurador encerra relembrando que o ambiente do Telegram era comparável a “conversas de botequim”, por isso não deveria ser levado a sério. “Quanto a eventuais comentários que alguém possa se sentir ofendido ou entender inapropriado, favor relevar, pois dito em ambiente que se assemelha ao de um botequim, onde se fala um monte de bobeiras”.

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Corregedoria do MP abre apuração contra Lava-Jato

Aguirre Talento

12/02/2021

 

 

Reclamação, feita pelo presidente do STJ, se baseia em diálogos sobre investigação patrimonial de ministros da Corte

A Corregedoria, órgão do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), ainda não formou um entendimento sobre a possibilidade de utilização das mensagens como prova, já que elas foram obtidas de forma ilegal pela ação de hackers. A reclamação disciplinar é um procedimento inicial dentro do CNMP para analisar a conduta funcional dos membros do Ministério Público.

Com base em uma representação movida pelo presidente do STJ Humberto Martins, a Corregedoria fez uma análise preliminar e apontou que o diálogo pode significar “eventual violação de deveres legais e condutas ilícitas”. Por isso, o corregedor nacional do Ministério Público, Rinaldo Reis, pedi a manifestação dos procuradores Deltan Dallagnol e Diogo Castor, que aparecem como interlocutores na conversa.

Martins relatou em seu ofício, com base nas mensagens trocadas pelos procuradores, que Deltan teria sugerido pedir à Receita Federal uma análise patrimonial dos ministros do STJ, o que poderia configurar uma investigação irregular sobre os ministros na primeira instância, já que eles possuem foro privilegiado.

A Corregedoria frisou que ainda não fez uma análise se o uso dessas provas, obtidas de forma ilícita, é legal ou não. O despacho cita que o próprio Supremo Tribunal Federal, no julgamento desta semana sobre o acesso da defesa de Lula às mensagens, entendeu que a legalidade desse material só será analisado em um momento posterior.

Os ex-integrantes da forçatarefa já haviam enviado um ofício com esclarecimentos ao CNMP, no qual dizem “jamais praticaram qualquer ato de investigação sobre condutas de autoridades detentoras de foro por prerrogativa de função, sejam ministros do STJ, seja qualquer autoridade” e atacaram a “origem criminosa” do diálogos, obtidos por hackers.