O globo, n. 31966, 12/02/2021. Sociedade, p. 8

 

Uso excessivo de ivermectina é associado a hepatite

Constança Tatsch

12/02/2021

 

 

Após relato de que uma paciente teria desenvolvido quadro grave da doença, com possibilidade de transplante de fígado, após ingerir altas doses do remédio para combater a Covid, médicos alertam para riscos do tratamento

A notícia de que uma mulher está com hepatite medicamentosa, correndo risco de necessitar de um transplante de fígado, supostamente por tomar 18 mg por dia de ivermectina por uma semana para combater um quadro leve de Covid-19, fez médicos mais uma vez pedirem que a população não use remédios de forma indiscriminada contra a doença.

O caso foi alertado em um tuíte do pneumologista Frederico Fernandes, presidente da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia. Após a postagem, o médico fechou suas redes sociais em razão de ataques virtuais. “Me solicitaram avaliação para uma paciente com hepatite medicamentosa. Está a um passo de precisar de um transplante de fígado. Ganha um troféu quem adivinhar qual medicação foi a culpada”, diz o tuíte, que completa com a resposta: “Pois é. Hepatite medicamentosa por ivermectina. 18 mg por dia por uma semana. Por Covid leve em jovem. Muito triste ver uma pessoa jovem a ponto de precisar de um transplante por usar uma medicação que não funciona em uma situação que não precisa de remédio algum”.

A ivermectina é um vermífugo usado para eliminar vários parasitas do corpo. Nos últimos meses, o medicamento passou a fazer parte do chamado “Kit Covid”, voltado a um suposto tratamento precoce da doença. O presidente Jair Bolsonaro tem defendido o uso de remédios como esse, mesmo sem comprovação de eficácia por estudos científicos.

Há uma semana, a MSD, farmacêutica responsável pela fabricação da ivermectina, informou em comunicado que não há dados disponíveis que sustentem a sua eficácia contra a Covid-19.

O médico hepatologista Paulo Bittencourt, presidente do Instituto Brasileiro do Fígado, da Sociedade Brasileira de Hepatologia, explica que 27% das hepatites agudas graves ou fulminantes são de origem medicamentosa. É a principal causa de um problema que, muitas vezes, acaba exigindo um transplante de fígado.

—Do coquetel que está sendo usado sem evidências de eficácia para Covid-19, as três medicações (ivermectina, cloroquina e azitromicina), apesar de seguras, têm potencial de evolução para hepatiteaguda. É uma ocorrência rara, mas o quenos preocupa é que estão sendo usadas em larga escala, sem prescrições, para uma doença que acomete milhões de pessoas. A complicação pode ter uma frequência maior com o uso exacerbado.,

Bittencourt conta que atendeu um paciente cuja principal hipótese para uma náusea a presentada é ouso de ivermectina de 15 em 15 dias, que decidiu tomar por contra própria para evitara Covid-19.

— Quando conversamos com as pessoas, elas dizem: “se não faz bem, mal não fará”. Mas isso não é det odore al. Éo que estamos vendo com esse anúncio —afirma o hepatologista, que ainda aguarda a confirmação do diagnóstico com exames laboratoriais.

O infectologista da UFRJ Mauro Schechter reforça a necessidade de atenção às possíveis consequências de qualquer remédio.

—Nada és eme feito colateral. Se você olha rabula americana( da ivermectina ), vai ver que 3% das pessoas têm efeitos colaterais associados ao sistema nervoso central. É uma droga teratogênica em diferentes animais, ou seja, pode provocar má formação dos fetos, não pode ser usada em grávidas. Em doses mais altas, é letal para camundongos e causa convulsões em cães. Não sabemos as consequências do uso de longa duração. É uma falácia dizer queéu ma droga segura. Sóé segura para as indicações que estão bula —explica.

O infectologista pontua que a droga foi testada no começo da pandemia, quando foi observado que, in vitro, altas concentrações impediam a multiplicação do vírus. Só que essa concentração não é atingida no pulmão nas doses possíveis.

— Como tem ação imunomoduladora, as pessoas acharam que poderia ter impacto na evolução clínica. É uma hipótese e, como qualquer hipótese, pode ser testada. Mas ainda não existe estudo publicado que mostre sua eficácia.