O globo, n. 31966, 12/02/2021. Economia, p. 13

 

Auxílio emergencial 

Manoel Ventura

Gustavo Maia

Geralda Doca

Daniel Gullino

12/02/2021

 

 

Guedes fala em repasses de R$ 250, mas cobra do Congresso nova PEC de Guerra

O governo decidiu prorrogar o auxílio emergencial, mas ainda negocia com o Congresso como financiar o benefício sem descontrolar as contas públicas. Ontem, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que sua equipe está pronta para apresentar uma solução para bancar os repasses e chegou a sinalizar pagamentos de R$ 250, mas precisa que parlamentares aprovem uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para recriar o Orçamento de Guerra, mecanismo que suspendeu regras fiscais em 2020 para abrir espaço para o combate à pandemia. Dessa vez, no entanto, Guedes quer que o texto também inclua medidas de ajuste fiscal, que podem ser acionadas no futuro, segundo integrantes do Legislativo. Também ontem, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que a União pode pagar até quatro parcelas da nova fase do programa social a partir de março.

—Não vai faltar dinheiro para o auxílio emergencial, temos esse dinheiro. Agora, precisamos de uma PEC de Guerra que nos autorize primeiro. E, segundo, precisa estar embutido num compromisso com responsabilidade fiscal — disse Guedes, em evento virtual do setor agropecuário.

Em outra transmissão online, com investidores, o ministro acenou com a possibilidade de um benefício de R$ 250, menor que os R$ 300 pagos até dezembro:

— As camadas protetivas podem descer, digamos para R$ 250, uma coisa assim, e depois aterrissa de novo no programa Bolsa Família.

Ontem, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), cobrou que o ministro apresente uma solução técnica para resolver o impasse em torno do auxílio. Na noite anterior, Lira já havia afirmado que a saída para pagar o benefício dependia da equipe econômica. Em resposta ao parlamentar, Guedes afirmou que poderia resolver a questão hoje:

—Arthur Lira fez uma convocação por solução, posso entregar hoje se ele quiser. A solução para o auxílio é uma PEC de Guerra embutida no Pacto Federativo.

‘IRRITADINHOS’

As declarações de Guedes foram dadas no mesmo dia em que Bolsonaro afirmou que “com toda a certeza” o novo auxílio será pago a partir de março por “três, quatro meses”. Em seguida, o presidente hesitou, dizendo que pode ser que a medida não saia do papel no mês que vem. Na terça-feira, O GLOBO revelou que o governo planeja anunciar a extensão do benefício depois do carnaval, que seria pago a partir do mês que vem, por meio de uma flexibilização do teto de gastos.

—É uma questão emergencial, porque custa caro para o Brasil. É um endividamento enorme para o Brasil. Está quase certo. Não sabemos o valor. Com toda a certeza. Pode não ser a partir de março. Três, quatro meses, que estão sendo acertados com o Executivo e com o Parlamento também. Porque temos que ter responsabilidade fiscal — afirmou Bolsonaro, após participar de entrega de títulos de propriedade rural em Alcântara, no Maranhão.

Mais tarde, em transmissão nas redes sociais, Bolsonaro voltou a falar que o auxílio precisa ser pago a partir de março. O presidente aproveitou para mandar um recado ao mercado, que reagiu negativamente ao benefício sem uma compensação fiscal.

O Ibovespa abriu em alta, avançando 0,92%. Logo após as declarações de Bolsonaro sobre o auxílio, porém, chegou a cair 0,39%. No fim do dia, encerrou com ganho de 0,73%. Já o dólar comercial subiu 0,31%, a R$ 5,388.

— Pessoal do mercado, qualquer coisa que se fala vocês ficam irritadinhos na ponta da linha, né? Sobe dólar, cai a Bolsa. Pessoal, se o Brasil não tiver um rumo, todo mundo vai perder, vocês também. Então, vamos deixar de ser irritadinhos porque não vai levar a lugar nenhum. E completou:

— Sabem o que é passar fome?

No Congresso, já se negocia uma solução para reduzir as resistências em torno das contrapartidas propostas pela equipe econômica. O plano é adiar medidas de ajuste fiscal, que seriam acionadas no futuro, após a liberação do auxílio.

Na avaliação do deputado Marcelo Ramos (PL-AM), vice-presidente da Câmara, uma proposta de ajuste fiscal somente para os próximos anos teria mais chance de ser aprovada. Ele tratou do assunto com o secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal.

— Uma das ideias da equipe econômica é incluir o auxílio emergencial na PEC Emergencial que fixa os gatilhos —explicou o deputado.

GATILHO ‘NÃO É PARA AGORA’

Em encontro com investidores, Guedes confirmou os que ajustes podem ficar só para o futuro:

— Isso não quer dizer que tenha de disparar gatilho agora. Os gatilhos se disparam em guerras futuras. Esse auxílio emergencial é como se fosse uma camada de generosidade pelo vácuo legislativo. Só se tiver uma pandemia que dure um ano é que se pensa em gatilho de novo.

Segundo ele, analistas do mercado financeiro vão compreender a sinalização:

— O mercado vai entender o seguinte: deram aí R$ 20 bilhões para a vacina, mais R$ 18 bilhões para um auxílio emergencial, mas tem um protocolo para crises futuras.

O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PPPR), afirma que ainda não há uma proposta fechada. Barros tem defendido a inclusão do auxílio emergencial no Orçamento — previsto para ser votado entre os dias 23 e 24 de março.

Ele diz acreditar na possibilidade de o Congresso aprovar uma PEC para autorizar o governo a elevar os gastos, mas ressalta que isso exigirá a construção de ampla maioria.

—Para votar a toque de caixa uma PEC, todos os parlamentares precisam concordar —lembrou Barros.

Segundo Guedes, as conversas estão “bastante avançadas” e devem se estender durante o carnaval.