O globo, n. 31961, 07/02/2021. Artigos, p. 3

 

A pandemia exige a busca de afinidades

Arthur Lira

07/02/2021

 

 

Passado o natural período das conturbações do processo eleitoral para as Casas Legislativas, é preciso fazer um diagnóstico mais profundo e propositivo dos desafios institucionais do país. A pandemia que assola o mundo, cujos efeitos são dramáticos para os brasileiros, exige das instituições um prumo comum. É hora de buscarmos as afinidades que nos unem no que é essencial, sem deixar de lado a diferença que nos distingue: a pluralidade.

É importante que todos compreendam o alcance e os limites dos diversos conceitos nesta quadra tão conturbada, que irá exigir, de todos, uma ação coletiva, acima das ideologias, dos dogmas e das chancelas partidárias. Muito se falou em independência entre os Poderes. Aliás, a meu ver, de forma redundante, essa é uma cláusula pétrea em nossa democrática Constituição.

A busca por afinidade, ressalto, não significa que nenhum poder ceda qualquer espaço de independência. A semântica, aqui, deve ser bem explicitada para que trabalhemos numa base comum. Não sou nem me considero o dono das verdades absolutas. O que tento é apenas colocar parâmetros para discussão coletiva e, com isso, dar minha contribuição para tentar clarificar os rumos que devemos tomar como instituições e sociedade.

Afinidade não é e nunca será ou poderá ser sinônimo de submissão, assim como independência não deveria ou poderia ter sido, ao longo da história, biombo para o franco antagonismo. O que as eleições legislativas demonstraram é que o Brasil não quer antagonismos, não pode ter antagonismos entre seus Poderes num momento tão grave. O governo — compreendido aqui o Executivo, o Legislativo e o Judiciário — precisa buscar um mínimo de afinidade para vencermos o único inimigo da hora, a Covid-19, mesmo que as naturais e inevitáveis diferenças de ponto de vista noutros temas continuem. Mas é preciso haver uma base mínima sobre o que não divergir.

Não existe ajuste fiscal maior do que vencer a pandemia, pois a volta da plena atividade econômica é a retomada da arrecadação. Não existe maior reforma tributária do que vencer a Covid-19, pois um país estagnado é um Erário exangue. Não existe programa social maior do que imunizar a população, pois um povo que tem trabalho garante seu sustento. Não existe maior programa econômico do que vacinar todos os brasileiros que quiserem, pois só assim o país voltará a crescer e a produzir riquezas. Não existe maior projeto de bem-estar social do que o fim da pandemia, pois só a volta da normalidade trará a sanidade, a felicidade mínima, os laços de família e a convivência.

É por isso que a afinidade entre as instituições é tão importante, sobretudo agora. Porque a pandemia não pode drenar nossas forças para questões menores, polêmicas menores, diferenças menores. Isso significa um pretexto para um cancelamento da pluralidade? Óbvio que não. As diferenças são necessárias para qualificar as soluções, mas não devem criar novos problemas. A hora é de soluções. De outro lado, a busca por afinidade não pode ser confundida, como disse, com submissão, rendição ou aniquilamento. O processo de afinidade começa pela premissa de respeito ao outro. Respeito que é devido e é merecido a todos, por todos.

Assumi a presidência da Câmara dos Deputados com o compromisso de empoderar as atividades de cada parlamentar, vis-à-vis o excesso de concentração de poder das últimas presidências. Meu primeiro ato foi corrigir um desses impulsos, e o resultado foi que a maior bancada da Casa, o PT, voltou a ocupar uma posição na Mesa Diretora — como deveria ser — após três legislaturas. Prometi respeitar as proporcionalidades, pois só assim se expressa a dinâmica orgânica, e não artificial, do Legislativo.

Para encerrar, nestes primeiros dias participei de uma cerimônia simbólica com o presidente do Senado, meu amigo de longa data Rodrigo Pacheco. Fui até o Senado para que o primeiro ato de nossas legislaturas fosse dentro do Congresso, feito por dois parlamentares, das duas Casas, para, num comunicado conjunto, apresentarem proposições que pretendem guiar ambas gestões.

Depois, saímos. Fomos receber do presidente Jair Bolsonaro as prioridades do Executivo na pauta legislativa. Pretendemos, e já anunciamos, visitar o presidente do Supremo Tribunal Federal. O Brasil precisa muito mais do que gestos simbólicos. Precisa urgentemente de soluções práticas, sobretudo vacinas e a superação dos efeitos sociais nefastos causados pela pandemia. Precisa, claro, das reformas estruturais.

A “pacificação”, como diz o presidente Rodrigo Pacheco, é o primeiro passo. Uma pacificação que não é nem rendição nem capitulação, mas também não é conquista ou predomínio. É afinidade, como deve ser.

*Presidente da Câmara dos Deputados