Correio Braziliense, n. 21088, 18/02/2021. Artigos, p. 11

 

Democracia sempre!

Renata Gil 

18/02/2021

 

 

Uma das primeiras imagens de 2021 será a de um grupo de extremistas invadindo o Congresso dos Estados Unidos após um discurso inflamado do então presidente Donald Trump. Tristemente, o caso terminou com prisões, depredação do patrimônio e também na morte de alguns amotinados e agentes de segurança. O que aconteceu, infelizmente, não pode ser desfeito. Mas os fatos passados, ao menos, nos ajudam a entender melhor os processos históricos e dão a oportunidade de não incorrer em erros já cometidos.

Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) demonstrou que as instituições brasileiras estão atentas aos processos sociais e fazem valer o rigor da lei mesmo em tempos conturbados. É justamente nesses momentos que as instituições e a solidez do regime democrático são colocadas à prova. A resposta do STF foi positiva ao demonstrar que o Brasil vive um regime democrático baseado em princípios republicanos e que essas palavras não existem apenas no papel. Elas tomam contorno de realidade para impedir que a democracia seja usada como disfarce por aqueles que pretendem, justamente, destruí-la.

Coube ao ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, a primeira decisão que levou à prisão o deputado federal que ameaçou o STF e a integridade física de alguns dos ministros em vídeo disseminado nas redes sociais. Em seguida, por unanimidade, o plenário do Tribunal ratificou os fundamentos e a conclusão de Moraes. Na decisão, o ministro afirmou que "a prática das referidas condutas criminosas atenta diretamente contra a ordem constitucional e o Estado Democrático" e, assim, estavam presentes os requisitos para a decretação da prisão preventiva, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal (CPP), sem a possibilidade de fiança, como previsto no artigo 324 também do CPP, que não permite fiança "quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva".

O STF, que em casos anteriores já havia deixado claro que a liberdade de expressão não abrange o cometimento de crimes como a injúria racial, agora também esclareceu que o mandato obtido nas urnas não confere às deputadas e aos deputados federais carta branca para incitarem a violência contra outras autoridades ou para inspirarem movimentos de golpe contra o regime democrático. A Constituição deixa expresso, em seu artigo 1º, que o Brasil tem base no Estado Democrático de Direito organizado como uma República Federativa, formada pela união indissolúvel dos estados e municípios e do Distrito Federal. Atentar contra a democracia e a federação, portanto, é crime.

Entre seus diversos méritos, a Constituição de 1988 (que está em vigor até hoje e assim deve permanecer, pelo bem do país) descreveu com precisão os modelos e os valores adotados pelo Brasil para tecer sua organização política, elaborar suas políticas públicas e resolver os problemas do Brasil, sejam eles quais forem. Além de marcar a transição entre a ditadura militar e a redemocratização, a Carta Cidadã (nome pelo qual também ficou conhecida) introduziu no ordenamento jurídico brasileiro o sistema de direitos e garantias, pela primeira vez, como cláusula pétrea — ou seja, que não pode ser modificado a não ser por uma nova assembleia constituinte.

A partir da retomada democrática, a nova ordem constitucional brasileira proveu ao país os instrumentos legais modernos que eram necessários para superar antigas legislações que não mais faziam sentido e também para afastar de vez os atos autoritários que cassaram liberdades como a de ir e vir, de se expressar e de poder formar grupos e partidos políticos.

Graças ao regime democrático, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário podem se incumbir de discutir o dia a dia do Brasil, das empresas e dos cidadãos, e adotar as medidas necessárias para manter o país em dia com as mudanças sociais, econômicas e políticas. A classe política pode debater e propor suas ideias, expor divergências e, assim, participar da vida pública do país. Os magistrados, por sua vez, devem julgar os casos com base apenas na lei e em sua consciência e não podem ser perseguidos em decorrência de seu exercício profissional.

Nenhum regime, no entanto, é perfeito. O passivo de séculos de exploração e de atraso do Brasil não pode ser resolvido em pouco mais de três décadas de regime democrático.

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Para um futuro melhor 

Ruy Martins Altenfelder Silva 

18/02/2021

 

 

Os princípios éticos são fundamentos importantes para nortear as ações das pessoas num país que se pretenda verdadeiramente democrático e justo. Não se trata de uma sociedade utópica, como a construída por Thomas Morus, mas de práticas perceptíveis e necessárias, porém, vergonhosamente esquecidas nos dias atuais.

Ao acompanhar diariamente o noticiário veiculado, não são raras as vezes em que o leitor se depara com relatos de denúncias de corrupção — ações, essas, que remetem claramente a questões de desvios éticos e morais. E, como uma praga que se dissemina, tais práticas atraem seguidores em velocidade e reverberação tão impressionantes quanto à propagação de um novo vírus pela internet.

Um dos antídotos mais eficazes para essa ameaça letal à liberdade, à democracia e à civilidade é a educação. As instituições de ensino precisam assumir o compromisso de educar seus alunos dentro dos princípios da ética e da democracia. Quando se incutem na criança e no jovem tais conceitos, quase certamente eles os seguirão na idade adulta — pautando desde os pequenos atos do dia a dia até os grandes momentos do exercício da cidadania.

É o momento mais do que propício para pôr em debate e cobrar uma postura clara, geral e irrestrita em favor da ética. Postura que deverá ter início com o apoio de todas as instâncias do poder público e da sociedade organizada a um projeto educacional destinado a formar cidadãos dotados de capacidade crítica e de saberes que os tornem aptos a atuar, nas mais variadas esferas sociais, com competência, responsabilidade e consciência cívica.

A ética está acima da moralidade; é, na verdade, um valor inerente aos direitos e deveres dos cidadãos. Mas não um valor que nasce por geração espontânea; ao contrário, resulta de decisão individual refletida e seguida de uma prática vigilante e diuturna. Aristóteles, com toda sua sabedoria, já dizia na Antiguidade Clássica que "nenhuma das virtudes morais surge em nós por natureza; adquirimo-las por exercício". Porém, atualmente, nas escolas predomina a quase obsessão pelo sucesso nos vestibulares (a bem da verdade, isso também ocorre na maioria das famílias) ou por modismos didático-pedagógicos, permeados de vieses ideológicos que desvirtuam a transmissão de conhecimentos. Isso sem falar nos prejuízos causados ao aprendizado pela sucessão de tais mudanças, que acabam por constituir pseudorreformas do ensino, visto que resultam em crescente evasão e deficiência do desempenho dos alunos.

Não é descabido associar a esse cenário à crescente onda de violência que marca as ruas, que vem invadindo os muros escolares e estimula a formação das verdadeiras gangues de bairro ou de torcidas organizadas. Os frutos são ações e ilícitos que configuram desrespeito contínuo à lei e à ordem jurídica, denotando a rarefação dos parâmetros de convivência civilizada em sociedade.

Os professores têm papel fundamental na formação dessa juventude que dirigirá a economia e conduzirá o desenvolvimento do país. Com exemplo, devem, mostrar a seus alunos a importância da aceitação de limites, dos valores – solidariedade, compromisso, honestidade, estudo, trabalho — e do respeito às normas e aos princípios que deles decorrem. Isso vale para o relacionamento entre chefia e subordinados no mundo corporativo e para professores e alunos em sala de aula.

E o professor — esse profissional pouco valorizado pela sociedade, negligenciado pelo poder público, sem formação adequada e com remuneração quase tão baixa quanto a sua autoestima — é um pilar importante para propagar esses conceitos. Por tudo isso, merece ter o seu papel resgatado por todos e cada um em particular — afinal, esse processo se enquadra nos casos em que, pelo valor da emulação, o total poderá ser maior do que a soma das partes.

A Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional ( LDB ) estabelece que a escola deve ser um local de formação de cidadãos e difusão de valores que inspirem cidadania e ética. Mas, para que ela realize missão de formadora de novas gerações, é necessário que o governo e a sociedade também a consagrem como espaço da ética, resgatando a autoridade dos mestres e colaborando para o aprimoramento de suas relações com a comunidade, os pais e os alunos.