Correio Braziliense, n. 21089, 19/02/2021. Política, p. 2/3

 

Câmara decide o destido de Silveira

Luiz Calcagno 

Jorge Vasconcelos 

19/02/2021

 

 

A Câmara decidirá, às 17h de hoje, se referenda a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) para manter preso o deputado de extrema-direita Daniel Silveira (PSL-RJ), ou se rejeita a detenção e libera o parlamentar. Ele foi preso em flagrante, na noite de terça-feira, por ordem do ministro da Corte Alexandre de Moraes, depois de publicar vídeo com ataques e ofensas aos membros do tribunal. Em live, o político do Rio de Janeiro incitou o espancamento do ministro Edson Fachin, também do STF, e fez apologia ao Ato Institucional Número 5, o período mais grave de recrudescimento da opressão do Estado na ditadura militar.

A votação no plenário foi anunciada pela Câmara após reunião do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), com líderes partidários. Na sessão, serão necessários, pelo menos, 257 votos para manter ou derrubar a ordem de prisão contra Silveira. Esse número equivale a mais da metade dos 513 deputados. Integrantes da cúpula da Câmara defendem a manutenção da detenção, que foi referendada, por unanimidade, pelos 11 ministros do STF na quarta-feira. Além de condenarem o comportamento do deputado do PSL, os parlamentares consideram que derrubar o ato de Alexandre de Moraes causaria um grande desgaste com a Corte.

Ficou decidido, também, que o deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP) será o relator do tema. Antes de assumir a função, ele demonstrou ser a favor da prisão do colega.

A reunião com líderes partidários durou toda a tarde de ontem. A demora se deu, em parte, por conta da audiência de custódia de Silveira, no Rio de Janeiro. Caso ele fosse liberado, os parlamentares não precisariam votar a possível liberação do bolsonarista, evitando uma indisposição com o STF. Depois do encontro, e já cientes da manutenção da prisão, as lideranças da Câmara foram comedidas nos comentários. O argumento é de que se faz necessário conversar com as bancadas primeiro.

O deputado Paulo Pimenta (PT-RS) destacou que o partido é a favor da cassação de Silveira e da manutenção da prisão. "Foi uma reunião séria, mas serena. Nossa bancada, a bancada do PT, tem posição. É favorável à manutenção da prisão e da punição no Conselho de Ética", disse. Marcel van Hattem (Novo-RS) frisou com a legenda reprova a fala do colega de Câmara, mas é contrário ao que chamou de intromissão do STF na Casa e à violação da imunidade parlamentar. Ele enfatizou, ainda, que uns falam contra a democracia, "e outros agem", fazendo referência ao mandado de prisão expedido por Moraes.

Atípico
"Foi uma reunião para tratar de um assunto atípico, e o rito da sessão de amanhã (hoje). A prisão, ao ver do Partido Novo, é ilegal e inconstitucional. O Novo não concorda, seja pela forma, seja pelo conteúdo que ele se expressou. Ele terá amplo direito a defesa garantido pela Casa para apresentar suas razões. A defesa será por meio dele e dos advogados", destacou Van Hattem. "É uma sessão híbrida, e ele pode fazer virtual. O voto deve ser aberto, que é o normal nas circunstâncias. O que precisa ficar claro, que digo como um parlamentar que se preocupa com a democracia, é que algumas pessoas falam contra a democracia, e algumas pessoas agem contra a democracia", alfinetou. Para Van Hattem, a ação do STF interveio em outro Poder de forma não autorizada pela Constituição. Ele chamou a ação de "AI-5 vindo do Poder Judiciário".

O líder do PCdoB, Renildo Calheiros, destacou que o presidente da Câmara vê o tema como delicado. "Debatemos o assunto. O presidente expôs como ele via a matéria e a delicadeza dela. Os líderes se posicionaram em mais de uma rodada. Fizemos um bom debate e decidimos pela sessão amanhã (hoje)", disse.

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Na audiência de custódia, deputado afina

Sarah Teófilo 

19/02/2021

 

 

A audiência de custódia do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) foi comandada pelo juiz Aírton Vieira. O magistrado determinou que o parlamentar fosse transferido para o Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PM-RJ) que, segundo ele, é mais bem estruturado para custodiar o parlamentar.
A decisão já era esperada, pelo fato de a determinação monocrática do ministro Alexandre de Moraes, de prender Silveira, ter sido referendada, por unanimidade, pelo plenário do STF. O deputado permanecerá preso até que seja decretada a liberdade provisória, que pode ocorrer se a Câmara decidir pela liberação dele, ou caso o STF substitua a detenção por medidas cautelares (como o uso de tornozeleira eletrônica).

Na sessão, a Procuradoria-Geral da República (PGR) manifestou-se apontando que a prisão em flagrante está de acordo com a lei.

Depois de xingar Moraes e outros ministros no vídeo que foi o estopim do caso, Silveira disse, na audiência de custódia, que respeita a magistratura e a decisão do ministro, mas que considera não haver flagrante.

"Aproveito para exteriorizar que, no meu entendimento, com todo o respeito à magistratura e à decisão do senhor ministro, tenho para mim que a situação, reputada como flagrante, assim não poderia tê-lo sido", afirmou, segundo a ata. "Entendo, com todo respeito reiterado que não estávamos diante de uma situação de flagrante, cuja lavratura fora, então, irregular."

O deputado ainda frisou que, "por exemplo, se houvesse algum vídeo disponível de um narcotraficante, tendo sido visto por mim, questiono se eu poderia, tempos depois, autuá-lo em flagrante?", destacou. "Por isso, aproveitando esta audiência de custódia, deixo registrado o meu entendimento sobre a questão."

Os advogados do parlamentar também questionaram a prisão em flagrante, dizendo que, se houve, não seria por crime inafiançável. A defesa pediu o relaxamento da detenção, que avaliou como ilegal.

Inafiançável
Ao chegar ao Batalhão da PM, no entanto, Silveira voltou a confrontar o Supremo. Disse que "mostrará ao Brasil quem é o STF". Ele circulou livremente pelo pátio do presídio e ainda conversou com apoiadores.

A prisão de Silveira foi em flagrante pelo fato de, conforme explicou Moraes, o vídeo ter sido divulgado pelo deputado, estando disponível para quem quisesse assistir, o que significava que a infração continuava sendo cometida. Já em relação ao crime inafiançável, ele usou como justificativa a previsão legal de que não deve ser concedida a fiança quando presentes os motivos que autorizem a decretação da prisão preventiva no caso de ameaça à garantia da ordem pública. De qualquer forma, crime previsto na Lei de Segurança Nacional, o qual é imputado ao parlamentar, também é inafiançável.

No vídeo, Silveira disse que o ministro Edson Fachin, do STF, tem cara de "filha da p." e "vagabundo". "Várias e várias vezes já te imaginei levando uma surra, quantas vezes eu imaginei você e todos os integrantes dessa Corte...", afirmou. Em outro momento, ele chamou Moraes de "cretino".

A gravação divulgada por Silveira foi fomentada por declarações de Fachin de que é "intolerável e inaceitável qualquer tipo de pressão injurídica sobre o Poder Judiciário". O magistrado manifestou-se depois que foi divulgado trecho do livro General Villas Boas: conversa com o comandante, escrito por Celso Castro, pesquisador da Fundação Getulio Vargas.

Na publicação, o general afirmou que tuítes de 2018 — feitos em seu perfil no Twitter no dia em que o Supremo analisou o pedido de habeas corpus do ex-presidente Lula — foram discutidos com a cúpula do Exército e com integrantes do Alto Comando residentes em Brasília. Segundo ele, as postagens foram "um alerta, muito antes que uma ameaça".

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Lira sobre STF: "Sem crise"

Augusto Fernandes 

19/02/2021

 

 

 Recorte capturado

Os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), tiveram uma reunião, ontem à noite, com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux. Aos jornalistas, após o encontro, os parlamentares negaram que a conversa tenha sido para tratar da situação envolvendo o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), preso por determinação da Corte, mas Lira afirmou que não haverá nenhum tipo de reação do Congresso ao Judiciário por conta do episódio.

Lira declarou que “cada Poder tem a sua atribuição” e que a decisão do STF de mandar prender Silveira não gerou “nenhum tipo de crise” com o Parlamento. Além disso, lembrou que, hoje, o plenário da Câmara dará a palavra final sobre a detenção do parlamentar.

“Não prefaço julgamentos e como vai ser o placar. Ao presidente da Casa, cabe ter o equilíbrio necessário para conduzir o processo, e o plenário, como nosso maior representante, é que decidirá com tranquilidade”, frisou. “A independência dos Poderes preconiza isso. Ao Judiciário cabe julgar, ao Legislativo, cabe legislar, e ao Executivo, cabe executar.”

Na avaliação do presidente da Câmara, o que aconteceu com Silveira “é um caso absolutamente fora da curva”. Ele também disse esperar que o episódio “tenha o tratamento correto por parte da Câmara e do Judiciário”. “Sem nenhum tipo de crise. Não há qualquer reprimenda ao que aconteceu, e a Câmara se pronunciará soberanamente no seu plenário a respeito do caso em tela”, destacou.

Separação dos Poderes

O deputado frisou que a reunião com Fux teve como objetivo estreitar os laços entre o Parlamento e o STF e para que fique claro quais são as competências e os limites de cada Poder. “Estamos buscando conjuntamente e dando provas com equilíbrio, sensatez, com calma nas relações, mas com respeito mútuo, estabelecendo limites da institucionalidade que o Brasil precisa para todos os Poderes”, ressaltou Lira.

Por sua vez, Pacheco acrescentou que, para uma boa convivência entre Congresso e Supremo, é fundamental que cada Poder cumpra o seu papel. “A tônica é de pacificação, de buscar sempre diálogo, consenso, como um instrumento de soluções para o Brasil. A gente tem compromisso com a solução dos problemas do Brasil, e isso passa por uma boa convivência entre Senado, Câmara, STF e Presidência da República”, opinou.

O senador afirmou, ainda, que “a democracia do Brasil está firme e forte, e o ambiente é de paz e de busca de consenso”. “Isso que vamos buscar fazer a todo instante. Essa busca, sempre, de uma boa convivência entre os Poderes, para fortalecer o Estado democrático de direto, é o que importa neste momento.”

Já o presidente Jair Bolsonaro mantém silêncio sobre o caso Silveira. Na live de ontem, ele não tocou no assunto.

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Conselho de Ética analisa o caso 

Jorge Vasconcelos 

Luiz Calcagno 

19/02/2021

 

 

O presidente do Conselho de Ética da Câmara, Juscelino Filho (DEM-MA), afirmou, ontem, que o colegiado começará, na terça-feira, a discutir o futuro do mandato do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), que foi preso após publicar um vídeo com ataques aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo ele, a votação de um parecer final sobre o caso deverá ocorrer em até 60 dias. Sem emitir juízo de valor sobre o comportamento do colega, o parlamentar disse, durante entrevista à imprensa, que "imunidade não é impunidade".

Silveira foi preso em flagrante pela Polícia Federal na terça-feira, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF. No vídeo que gravou, além de agressões verbais e de incitação à violência contra ministros do tribunal, ele defendeu a volta do AI-5, o mais duro instrumento de repressão da ditadura militar (1964-1985). A Procuradoria-Geral da República apresentou denúncia contra o parlamentar, acusando-o de ameaçar o Supremo e de incitar a quebra da ordem democrática. São crimes previstos no Código Penal e na Lei de Segurança Nacional.

Nesta semana, a Mesa Diretora da Câmara decidiu reabrir o Conselho de Ética, que estava com as atividades suspensas em razão da pandemia, e pediu formalmente ao colegiado a abertura de processo de cassação do mandato de Silveira, por quebra de decoro parlamentar — o deputado é muito malvisto entre seus pares por causa do seu radicalismo.

Juscelino Filho garantiu rapidez na tramitação da representação contra o deputado do PSL. Segundo ele, a urgência se deve à confirmação da ordem de prisão contra o parlamentar, por todos os ministros do Supremo; à denúncia PGR e à repercussão pública do caso.

"É um caso bastante delicado, que tem mobilizado todo o Parlamento e a sociedade. O Conselho de Ética vai conduzir esse caso, como todos os demais, de forma responsável, seguindo o nosso regimento, o Código de Ética e todo o processo legal", disse.

Ele também informou que a representação da Mesa Diretora da Câmara contra Silveira chegou ao colegiado ontem. "Nessa próxima sessão de reativação, já vou levar essa representação para a pauta para fazermos o sorteio da lista tríplice de escolha do relator e dar seguimento a todos os procedimentos", afirmou. "Como essa representação veio da Mesa Diretora da Casa, ela já chega em um passo adiante das demais, que foram representações de partidos políticos ou de parlamentares: ela já chega admitida ao Conselho de Ética e supera a fase do parecer preliminar", emendou (veja, no quadro acima, como é a tramitação).

Juscelino Filho não quis adiantar detalhes sobre a condução do processo, mas demonstrou contrariedade com as atitudes do deputado do PSL. "Eu acho que qualquer um tem que se responsabilizar pelo que diz. Principalmente os parlamentares. Os deputados têm a garantia da imunidade parlamentar, mas não da impunidade", enfatizou.