O globo, n. 31959, 05/02/2021. Sociedade, p. 9

 

Imunização segura

Dimitrius Dantas

05/02/2021

 

 

Só 5 a cada 10 mil vacinados contra a Covid relatam sintomas, a maioria leves

Quando já contabilizava mais de dois milhões de pessoas vacinadas contra a Covid-19, o Ministério da Saúde havia recebido apenas 1.038 comunicações de eventos adversos por pessoas que já foram imunizadas. Desses casos, apenas 20 foram considerados graves, mas sua relação com as vacinas ainda precisa ser confirmada. Os dados são da última terça-feira, data da mais recente atualização da pasta.

De acordo com o consórcio de veículos de imprensa, o total de vacinados ontem já ultrapassava 3 milhões de pessoas no Brasil. Especialistas afirmam que os números baixos de queixas reforçam o perfil de segurança das vacinas, notadamente a CoronaVac, utilizada em mais de 90% das imunizações até o momento. O outro imunizante adotado no país é o da AstraZeneca/Oxford.

Apenas cinco em cada 10 mil vacinados relataram algum efeito colateral após a aplicação, ou 0,05%. De acordo com o Ministério da Saúde, os sintomas mais comuns foram dor de cabeça, febre, dor muscular, diarreia, náusea e dor localizada. Houve a comunicação de um evento adverso grave apenas a cada 100 mil aplicações da vacina. Esses casos, entretanto, não necessariamente estão associados à vacina — sabe-se apenas que eles ocorreram após a aplicação da primeira dose.

Renato Kfouri, infectologista e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), explica que eventos graves são os que precisam de hospitalização, levam à morte ou a abortos em mulheres grávidas.

— Se a pessoa toma a vacina e é atropelada no dia seguinte, por exemplo, isso é reportado (como evento grave). Se é efeito da vacina, a investigação dirá depois. Quando você vacina milhões de pessoas, é natural que uma ou outra sofra um acidente ou tenha um infarto no dia seguinte ou três dias depois, por exemplo — diz Kfouri.

INCIDÊNCIA NOS EUA

Em novembro, uma morte levou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a suspender os testes clínicos da CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan. O episódio foi tratado como um evento adverso grave. Posteriormente, foi comunicado à agência que se tratou do suicídio de um dos voluntários. Nos testes clínicos da CoronaVac, não foi reportado evento grave associado à vacina.

Na última semana, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), órgão do governo dos EUA que acompanha a vacinação no país, informou que, após a vacinação de 4 milhões de pessoas com o produto da Moderna, foram registrados 1.266 eventos adversos, incidência ainda menor do que a do Brasil, de apenas 0,03%. Desses casos, 108 foram identificados para uma análise mais aprofundada após detectada reação alérgica dos pacientes. Não houve publicação dos dados de eventos adversos relatados no Reino Unido, o primeiro a iniciar a vacinação em massa de sua população contra a Covid-19.

A CoronaVac usa vírus inativado para estimular a produção de anticorpos.

— É um método utilizado há muito tempo. O número de 20 eventos adversos graves está dentro do esperado. Os índices gerais são muito bons e mostram para a população a segurança das duas vacinas, notadamente a da CoronaVac — afirma a microbiologista Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC) e colunista do GLOBO.

CREDIBILIDADE

Segundo Pasternak, os números são relevantes para aumentar a confiança da população na vacina, sobretudo em um ambiente em que setores específicos buscam minar a credibilidade da campanha nacional de imunização. Durante a fase de testes, por exemplo, apoiadores do presidente Jair Bolsonaro criticaram a parceria do governo de São Paulo com a farmacêutica chinesa Sinovac no desenvolvimento da CoronaVac.

Kfouri assinala que toda vacina está sujeita a sintomas considerados clássicos, como dor no local da aplicação ou febre, uma vez que seu objetivo é exatamente gerar alguma resposta do organismo.

— Por enquanto, os dados confirmam os perfis de segurança de todas as vacinas. Mas o acompanhamento, a vigilância, precisam continuar —ressalta.

Segundo pessoas que participaram do acompanhamento dos testes clínicos do Butantan ouvidas pelo GLOBO, o número de eventos adversos está dentro do esperado, sobretudo pela diferença na forma de monitoramento entre a pesquisa e a campanha de imunização. No primeiro caso, os voluntários preenchem um diário em que registram qualquer sintoma. Após o início da vacinação, o monitoramento é passivo, isto é, os relatos são feitos apenas quando ocorre algo que incomoda aquele que foi vacinado. No ensaio clínico, a dor local foi a reação adversa mais comum. Mas quando a vacinação chega à população, a maioriadas pessoas não relata esse incômodo justamente por ser muito leve.

— O que era feito com 40 mil pessoas no ensaio clínico, agora está na escala dos milhões —salienta Pasternak. Ou seja, o acompanhamento não precisa ser tão minucioso porque o tamanho da amostra indica que qualquer efeito adverso vai aparecer, pois é muita gente sendo vacinada. A minúcia no teste clínico garante a segurança para a população.

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Sem dúvidas para tomar a vacina

05/02/2021

 

 

Posso contrair a Covid-19 ao receber a vacina?

Não. Nenhuma vacina poderá causar a doença, diz Herbert Guedes, professor do Instituto de Microbiologia da UFRJ e especialista em vacinas.

Quando a proteção começa a fazer efeito?

Os resultados dos estudos levam em conta dados do 15º dia após a 2ª dose das vacinas. Estudo preliminar da Universidade de Oxford, apresentado terça-feira (2), indica que a vacina da AstraZeneca tem 76% de eficácia contra  casos sintomáticos da Covid-19 já após a primeira inoculação. Mas é preciso aguardar 15 dias para que cada dose faça efeito, segundo Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão Ciência (IQC).

Quantas doses devo tomar?

Para a maioria das vacinas apresentadas até agora, duas doses com intervalos variáveis.

Já tive Covid-19, tenho anticorpos. Preciso da 2ª dose?

Sim. Primeiro porque seria necessário avaliar o número de anticorpos desenvolvidos por cada pessoa para ver se são capazes de protegê-la. Além disso, não se sabe quanto tempo dura essa proteção natural. Outra preocupação é com as novas variantes do Sars-CoV-2.

Em quanto tempo receberei a 2ª dose?

A bula da CoronaVac diz que é necessário intervalo de duas a quatro semanas, com média de 21 dias entre as doses, para garantir a eficácia. Para a AstraZeneca/Oxford, o intervalo previsto em bula é de quatro a 12 semanas, e trabalhos recentes indicam que intervalo maior é mais eficaz.

Se já tomei a dose de um fabricante, posso tomar a segunda dose de outro?

Por enquanto, não. Natalia Pasternak afirma que ainda não há estudos sobre combinação de vacinas — o primeiro está começando a ser feito no Reino Unido.

Se eu esquecer a data da 2ª dose, o que devo fazer?

Segundo Pasternak, atrasar um dia ou até uma semana não é grave. No entanto, se o tempo de atraso for longo demais, todo o protocolo de vacinação será reiniciado.

Que efeitos colaterais são esperados?

A vacinação é considerada segura, e os efeitos colaterais, em geral, são leves e temporários, como dor localizada no local da inoculação e febre baixa.

Após a vacina, posso deixar de usar a máscara?

Não. Teremos que continuar a usar máscara e a fazer distanciamento social por um bom tempo. Primeiro, porque apenas parte da população será vacinada, e não se sabe se as vacinas vão conseguir impedir a transmissão e tirar o coronavírus de circulação, ou se vão impedir que as pessoas adoeçam, diz a epidemiologista Carla Domingues, ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunização (PNI). Só depois que a vacinação em massa ocorrer, com uma redução drástica dos casos, as medidas de segurança poderão ser revistas.