O globo, n. 31959, 05/02/2021. Economia, p. 15

 

Efeitos do fim do auxílio 

Letycia Cardoso

Carolina Nalin

Gabriel Shinohara

05/02/2021

 

 

Supermercados têm freio nas vendas, e poupança registra saque recorde

O fim do pagamento do auxílio emergencial já afetou as vendas de supermercados e lojas de material de construção em janeiro e influenciou um saque recorde de recursos da caderneta de poupança. Iniciado em abril, o benefício destinado a trabalhadores informais e desempregados para aliviar os efeitos da pandemia na renda injetou mais de R$ 290 bilhões na economia. Analistas preveem um primeiro trimestre de queda no varejo e freio na atividade econômica do país com o fim dos pagamentos.

No mês passado, os saques na caderneta de poupança superaram os depósitos em R$ 18,2 bilhões. Janeiro costuma ser um mês de resgates na poupança, para pagar as despesas de início do ano como IPVA e IPTU. Mas este ano a perda foi recorde, a maior já registrada desde 1995, quando teve início a série histórica, como reflexo do fim do auxílio.

—Devemos te rum trimestre fraco, até mesmo com queda nas vendas. Além da faltado auxílio, temos um cenário de inflação alta, regressão na reabertura do comércio em algumas cidades e um alto número de desempregados — diz o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Fábio Bentes

Ele acrescenta que o cancelamento do carnaval deve agravar o cenário:

— O carnaval do ano passado movimentou cerca de R$ 8 bilhões. Este ano, teremos um pequeno movimento de turismo nacional, mas não teremos turistas estrangeiros vindo para cá, nem brasileiros indo para fora e gastando em agências de viagem. Vamos notar um menor consumo de bebidas e outros produtos vendidos nesta época, além de redução no comércio de fantasias.

IMPACTO NA INDÚSTRIA

Os supermercados tentam driblar o freio nas vendas em negociações com fornecedores. Mas também a indústria já sente o impacto. Ao divulgar seu balanço anual de 2020, a Unilever, multinacional de higiene, limpeza e alimentos, informou ontem que seu resultado foi afetado no quarto trimestre pela queda do auxílio. Com a redução à metade do benefício pago aos trabalhadores a partir de setembro, o volume de recursos injetados pelo programa na economia, que chegou a superar R$ 45 bilhões mensais em julho e agosto, caiu para R$ 17 bilhões em dezembro.

— Sem o auxílio, a melhor estratégia é ampliar o sortimento de produtos. Se o arroz está mais caro, temos que ter bom sortimento de macarrão, por exemplo — comenta Fábio Queiroz, presidente da Associação de Supermercados do Estado do Rio de Janeiro (Asserj).

A rede de supermercados Princesa prevê impacto a olongo deste mês. Na atacadista Assaí, a expectativa é que as compras no atacado passem a ser mais buscadas por quem tenta economizar e, por isso, a marca mantém seu plano de expansão, que prevê inaugurar até 28 lojas no país.

Entre os distribuidores, há avaliação de que seus clientes, no caso as redes varejistas, estão mais apreensivos.

— Sentimos um pouco de impacto em janeiro, apesar de não ser tão claro em função das férias coletivas que a indústria costuma dar. Há uma preocupação das empresas em fazer caixa para um próximo momento emergencial que possamos vivenciar por conta da pandemia —resume Leonardo Miguel Severini, presidente da Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores (Abad).

No Mercado Municipal Cadeg, no Rio, as vendas em janeiro foram menores em relação ao mesmo período de 2020, antes da pandemia. Para frear as perdas, os lojistas vão investir em festivais temáticos e promoções de acordo com as datas comemorativas, afirma o diretor social do Cadeg, André Lobo.

No supermercado SuperPrix, após picos de vendas em itens como arroz, feijão, ovos e café no ano passado, a demanda agora está normalizada. Dessa forma, a rede instituiu um calendário de promoções por dia da semana para tentar manter o ritmo de vendas.

MENOS QUEIJOS E LEITE EM PÓ

A mudança nos produtos mais comprados nos mercados já é sentida na Bolsa de Gêneros Alimentícios, fornecedora do setor. Segundo o presidente da entidade, Margon Vaz, desde outubro houve redução de 40% no comércio de leite em pó e queijos:

— Com o fim do auxílio, o setor acredita que o consumidor dará preferência por comprar produtos mais essenciais, como arroz e feijão.

No setor de construção, o impacto já foi sentido desde o fim do ano passado, coma redução do valor do auxílio. O segmento, que cresceu 11% em 2020, espera uma alta de 2% a 5% em 2021.

— Ninguém começa obra e reforma com incerteza e insegurança — comenta Waldir Abreu, superintendente da Ana maco, que reúne varejistas de material de construção .

Somente no estado de São Paulo, o auxílio emergencial foi responsável por 5% das vendas do varejo no último trimestre do ano, que totalizaram R$ 7,5 bilhões, segundo a Fecomércio-SP. Guilherme Dietze, assessor econômico da entidade, diz que o benefício transformou uma queda esperada de 3% em alta de 2% no ano.

Ele avalia que a poupança feita pelos consumidores durante o período de isolamento é oque continuará a sustentar o comércio neste início de ano. Em sua opinião, o gasto das famílias de renda mais alta deve possibilitara manutenção do consumo até maio ou junho, mas não impedirá prejuízos como o fechamento de lojas.

A perda recorde na caderneta de poupança em janeiro refletiu, além da renda menor de muitos brasileiros por causa do fim do auxílio, outro efeito colateral do término do benefício. Ao longo de 2020, a captação da poupança foi recorde, chegando aR $166,3 milhões, influenciada pelo fato de que, em muitos casos, os pagamentos do auxílio foram feitos pela Caixa por meio de contas-poupança.

—Grande parte desse movimento é devido a janeiro ser um mês de gastos, IPVA e IPTU, e tem muita gente desempregada. Isso colaborou com essa saída líquida — afirma Sandra Blanco, estrategista chefe da Órama.

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A receita de Guedes para lidar com o dilema do benefício

Marcello Corrêa

05/02/2021

 

 

O início dos trabalhos no Congresso evidenciou um dilema que era evitado por governo e parlamentares desde o fim do ano: como manter a ajuda aos trabalhadores informais atendidos pelo auxílio emergencial sem desequilibrar as contas públicas. A experiência de 2020 indica que o ministro da Economia, Paulo Guedes, pode adotar receituário semelhante ao que já o tirou de encruzilhadas parecidas anteriormente: ceder no presente e sinalizar compromisso fiscal no futuro.

Foi assim em maio do ano passado, quando o governo federal autorizou uma ajuda financeira a estados e municípios. Guedes articulou com o Congresso a inclusão de uma cláusula no pacote de socorro aos entes federados, que bloqueou até dezembro de 2021 reajustes de servidores públicos no país.

O congelamento quase foi derrubado no Legislativo, e sua sanção foi atrasada o suficiente para dar tempo de permitir aumentos para aliados do governo Jair Bolsonaro, como policiais e bombeiros do Distrito Federal. Ainda assim, o resultado foi uma vitória para o ministro, que até hoje se refere à medida como indicador de respeito ao equilíbrio das despesas públicas.

Fórmula parecida foi repetida quando o governo prorrogou pela segunda vez o auxílio emergencial, em setembro. Na ocasião, a sinalização de rigor fiscal foi o envio da reforma administrativa, que até então estava na gaveta de Bolsonaro. O texto entregue à Câmara é mais brando que o desejado por analistas e ainda aguarda avanço na tramitação. No entanto, a equipe econômica calcula potencial de economia de R$ 300 bilhões em dez anos.

Diante da nova pressão para estender o benefício, Guedes aposta agora no chamado Novo Marco Fiscal para indicar que a agenda de austeridade não foi abandonada. O plano deve ser tratado em uma reformulação da proposta de emenda à Constituição (PEC) do pacto federativo e prevê o que o ministro chama de “protocolo da crise”, que inclui o congelamento de despesas para frear gastos em momentos de emergência fiscal.

No cenário considerado ideal pela equipe econômica, o ajuste já seria adotado assim que um novo auxílio for aprovado. Mas todos em Brasília admitem que é uma articulação difícil. Se a compensação imediata não for possível, a equipe econômica deve atrelar a nova rodada de repasses do programa — dessa vez para menos beneficiários — ao compromisso de que a extensão só seja aprovada em troca da garantia de uma reestruturação de longo prazo das contas públicas.