O globo, n. 31958, 04/02/2021. Editorial, p. 2
Esvaziamento da Lava Jato deixa o Brasil muito pior
04/02/2021
Sem alarde, foi extinto ontem, depois de sete anos, o grupo que mudou a história do combate à corrupção no Brasil. Não existe mais a força-tarefa da Operação Lava-Jato em Curitiba, onde o trabalho frenético de uma equipe jovem e aguerrida de procuradores desbaratou o maior esquema de corrupção já descoberto no país.
Os números são superlativos. As 79 fases da Lava-Jato emitiram 1.450 mandados de busca e apreensão e outros 132 de prisão preventiva. Os procuradores apresentaram 130 denúncias contra 533 acusados, que resultaram em 278 condenações de 174 réus. As sentenças somaram 2.611 anos de penas que, pela primeira vez na história do Brasil, levaram para trás das grades dezenas de empresários e políticos.
Entre os atingidos, o ex-presidente Luiz Inácio Lu lada Silva, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, o ex governador Sérgio Cabral, os ex-ministros José Dirceu e Antonio Palocci, os empreiteiros Marcelo Odebrecht, Léo Pinheiro e Ricardo Pessoa, entre tantos outros. Segundo aforça-tarefa, os acordos de colaboração premiada e leniência, uma vez concluídos, trarão R $15 bilhões de volta aos cofres públicos. Para não falar no impacto internacional. Operações derivadas da Lava-Jato abalaram governos na África e na América do Sul. Autoridades dos Estados Unidos, com base nas investigações de Curitiba, obtiveram uma das maiores indenizações da história daquele país.
Não deixa de ser irônico que o fim do principal braço da Lava-Jato aconteça no governo do presidente apoiado pelos que envergavam camisetas e bradavam slogans louvando a “República de Curitiba”. Jair Bolsonaro trouxe Sergio Moro para seu ministério como símbolo do que os corruptos deveriam esperar. Pois bastou as suspeitas chegarem perto de seus familiares para ele tratar de se livrar de Moro, que tentava impedi-lo de interferir nas investigações.
Bolsonaro pôs na PGR o inexpressivo, mas fiel, Augusto Aras, aliado cuja missão era se livrar do que restasse da tal “República de Curitiba”. Missão dada, missão cumprida. O fim da forçatarefa paranaense é o exemplo mais eloquente do retrocesso na condição crucial para o êxito do combate à corrupção: a independência institucional.
É certo que a Lava-Jato despertou o debate sobre os métodos usados para perseguir os corruptos. Para tentar conter o espírito missionário conhecido como “lavajatismo”, o Supremo voltou atrás na interpretação do momento em que condenados devem cumprir pena (não mais depois da sentença da segunda instância) e acabou com conduções sob coerção. Práticas estratégicas, adotadas pela Lava-Jato para atingir os antes inatingíveis, passaram a ser vistas como motivadas politicamente.
Desde que Moro entrou no governo Bolsonaro, tais acusações, ainda que infundadas, ganharam mais credibilidade. Com base nas mensagens obtidas ilegalmente pela invasão de um aplicativo de comunicação, ele responde no Supremo a pedidos de anulação dos casos em que condenou Lula.
Mesmo que Moro e os procuradores tenham se excedido na ira missionária, o resultado da Lava-Jato já está nos livros de história. O esquema desbaratado na Petrobras não tem paralelo conhecido no planeta. O Brasil ficou melhor enquanto as investigações prosseguiam.