O globo, n. 31958, 04/02/2021. País, p. 6

 

Chamado de genocida, presidente reage: “Nos encontramos em 22”

Paulo Cappelli

Julia Lindner

Bruno Góes

04/02/2021

 

 

Abertura do ano legislativo teve clima de campanha eleitoral

O clima eleitoral prevaleceu ontem durante a abertura dos trabalhos do Poder Legislativo, que contou com a presença do presidente Jair Bolsonaro. Durante seu discurso na Câmara dos Deputados, Bolsonaro foi chamado de “genocida” e “fascista” por deputados de oposição, alguns dos quais carregavam placas pedindo seu impeachment. Apoiadores, por sua vez, entoaram gritos de “mito”. O presidente, então, respondeu com uma provocação às críticas que lhe foram dirigidas:

—Nos encontramos em 22 —disse, dirigindo-se à bancada do PSOL e se referindo à próxima eleição presidencial, na qual pretende disputar a reeleição.

Antes mesmo de Bolsonaro iniciar a leitura de seu discurso, o recém-eleito presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), teve de intervir para tentar silenciar os gritos hostis a Bolsonaro. Ao mesmo tempo, integrantes da base aliada do governo começaram a gritar palavras de apoio ao presidente, o que aumentou o nível de decibéis no plenário.

—Peço à segurança que possa garantir a ordem dos trabalhos e a palavra ao senhor presidente da República, que, num gesto de respeito ao Congresso Nacional, comparece a esta Casa para fazer o seu pronunciamento e entrega da mensagem —disse Pacheco. —Vamos dar oportunidade para que possamos iniciar uma nova fase de consenso, de respeito a divergências.

As manifestações duraram alguns minutos, antes que fossem contidas.

Em seu discurso, Bolsonaro fez alusão a Sergio Moro, visto como potencial adversário em 2022. O ex-juiz, que ganhou notoriedade na Operação Lava Jato, decidiu deixar o Ministério da Justiça acusando o presidente de interferir indevidamente na Polícia Federal. Sem citar Moro nominalmente, Bolsonaro disse que a apreensão de drogas pelo governo federal aumentou “em especial após abril de 2020”, data na qual Moro abandonou o ministério.

MAIA NÃO APARECE

O presidente usou a maior parte de sua fala para divulgar realizações de seu governo, em uma prévia do discurso que deve adotar em eventual campanha à reeleição. E também definiu prioridades para 2021, focando principalmente a agenda econômica, tendo citado privatizações, concessões, reformas administrativa e tributária.

Uma ausência notada ontem foi a do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ), que deixou o cargo esta semana após não conseguir emplacar Baleia Rossi (MDBSP) como seu sucessor. O emedebista perdeu para Arthur Lira (PP-AL). Maia é desafeto de Bolsonaro.

O ex-presidente da Câmara não compareceu à abertura dos trabalhos legislativos nem à eleição da Mesa Diretora, também realizada ontem, pela manhã. Conforme acordo entre Lira e a oposição, a primeira vice-presidência ficou com Marcelo Ramos (PL-AM), a segunda vice, com André de Paula (PSDPE) e a segunda secretaria, com Marília Arraes (PTPE). Governistas ficaram com seis dos onze cargos.

Aliados de Maia afirmam que, após quase cinco anos no comando da Casa, ele está muito abalado com a derrota de Baleia, principalmente após a maior parte de seu partido, o DEM, optar pelo voto em Lira.

Maia tem avaliado deixar o DEM e já começou a conversar com legendas de centro e centro-direita. Outro fato que tem preocupado o ex-presidente da Câmara é sua segurança física, tendo em vista que sua atuação nos últimos dois anos desagradou a apoiadores do Planalto. Ele chegou a sofrer ameaças nas redes sociais. Fora da presidência da Câmara, Maia não conta mais com o aparato oferecido pelo cargo.