Correio Braziliense, n. 21093, 23/02/2021. Política, p. 2/3

 

Auxílio emergencial de até $250

Vicente Nunes 

Luiz Calcagno 

23/02/2021

 

 

O governo já decidiu pelo retorno do auxílio emergencial. Serão pagas quatro parcelas de até R$ 250 entre março e junho, que custarão até R$ 40 bilhões, dos quais R$ 30 bilhões serão bancados por meio do aumento da dívida pública e o restante, pelo orçamento do Bolsa Família. A perspectiva é de que 40 milhões de pessoas sejam beneficiadas, depois de um amplo cruzamento dos dados daqueles que receberam o auxílio no ano passado. O valor do benefício será definido por meio de medida provisória, a ser editada depois de o Congresso aprovar a proposta de emenda à Constituição (PEC) Emergencial.

A perspectiva é de que a PEC seja votada na próxima quinta-feira em dois turnos no Senado e dentro de, no máximo, duas semanas, na Câmara. Se esse prazo for cumprido, acredita a equipe econômica, já será possível pagar o auxílio emergencial no mês que vem. O governo não descarta, porém, baixar a MP logo depois do aval do Senado, apostando que os deputados cumprirão o acordado. Técnicos admitem o risco da medida, mas justificam a emergência do momento, devido ao recrudescimento da pandemia do novo coronavírus.

Para bater o martelo em relação à volta do auxílio emergencial, a equipe econômica exigiu uma série de contrapartidas na PEC Emergencial, como um novo marco fiscal, que define, claramente, o que é emergência fiscal e o que é processo de calamidade. Dessa forma, o governo quer dar uma garantia aos agentes econômicos de que a volta do auxílio emergencial não é uma licença para gastar, ainda que as despesas com o benefício fiquem livres dos limites impostos pela regra de ouro, pelo teto de gastos e pela previsão de deficit primário de R$ 247,1 bilhões neste ano.

Segundo técnicos da Esplanada, o espaço para o gasto com o auxílio emergencial por mais quatro meses foi aberto pelo congelamento dos salários de servidores em 2020 e 2021. A economia, nesse período, será de R$ 138 bilhões, dos quais R$ 40 bilhões no governo federal. A PEC Emergencial, por sinal, prevê que gatilhos sejam disparados automaticamente quando decretado estado de calamidade. Isso inclui a suspensão imediata de reajuste ao funcionalismo. Ou seja, não será preciso submeter tais medidas restritivas novamente ao Congresso.

Polêmicas

O Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-RJ), acredita que a votação da PEC Emergencial poderá se encerrar em março. Mas reconhece que um tema complexo incluído na proposta, como a desvinculação de verbas para educação e saúde, provocará controvérsia (leia na página 3). Pelo relatório preparado pelo senador Marcio Bittar (MDB-AC), a PEC conta com uma cláusula de calamidade pública que permitirá ao governo manejar o Orçamento com maior liberdade — hoje, 93% dos recursos estão vinculados. Pacheco lembrou que o pagamento do auxílio ocorrerá após um projeto de lei ou uma medida provisória baixada pelo governo. “O que fazemos na PEC é estabelecer um protocolo de responsabilidade fiscal”, explicou.

Na avaliação do diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, em vez de atrelar a PEC Emergencial a temas polêmicos, seria mais seguro para o governo cortar despesas para viabilizar o auxílio emergencial. “O ideal seria que o Ministério da Economia adotasse medidas compensatórias, como redução de gastos ou aumento de receitas, que permitissem comportar essa despesa nova no Orçamento. A tendência, no entanto, é de que venha gasto novo e, em troca, aprove-se um programa de ajuste fiscal que estaria contemplado na PEC Emergencial”, afirmou.

A equipe econômica assegurou que, mesmo que o auxílio emergencial seja pago por meio de mais dívida, não haverá estresse entre os especialistas. Os técnicos disseram que, para um país com Produto Interno Bruto (PIB) acima de R$ 7 trilhões, os R$ 30 bilhões em dívida representam apenas 0,33 ponto percentual a mais no endividamento público. Eles lembraram que a dívida bruta brasileira fechou 2020 em 89,3% do PIB. Logo, essa relação aumentará para 89,6%. “Nesse contexto, o importante é que o Congresso aprove o novo marco fiscal na PEC Emergencial. Isso dará muita garantia de que as contas públicas permanecerão sob controle”, acrescentou um técnico do governo.

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Impacto na educação e saúde 

Luiz Calcagno 

Sarah Teófilo 

Marina Barbosa 

23/02/2021

 

 

 Recorte capturado

O senador Marcio Bittar (MDB-AC) pode não ter calculado bem a desidratação da PEC (proposta de emenda à Constituição) Emergencial. Embora tenha retirado do texto a possibilidade de o governo reduzir o salário e a carga horária dos servidores públicos como uma fonte de ajuste fiscal, por exemplo, decidiu desvincular as verbas da educação e da saúde, inviabilizando, por exemplo, a emenda constitucional do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), sancionada em 28 de dezembro. Apesar de contar com o apoio do Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-RJ), a medida é criticada por partidos de esquerda e de direita.

“Sou simpático à ideia de termos um Orçamento que permita a um gestor público, dentro de um mínimo unificado de educação e saúde, destinar verba para essas áreas a depender da necessidade do ente federado, no caso concreto”, afirmou Pacheco. “A desvinculação, a partir desses critérios, preservando investimento em educação e saúde, pode ser um caminho de meio-termo interessante, permitindo uma flexibilização dos gastos de acordo com cada ente federado”, acrescentou.

O líder do PSDB no Senado, Izalci Lucas (PSDB-DF), no entanto, criticou a iniciativa. “Acho muito ruim. Neste momento, vai ter muita dificuldade, muita resistência. Acabamos de aprovar o Fundeb para buscar mais recursos para a educação, ampliar até 2026. Vem uma emenda e muda tudo isso? Se fizer a desvinculação, a educação vai voltar para um valor irrisório. Vão jogar tudo na saúde e, depois, (o dinheiro) não retorna. Desindexar é reduzir”, frisou. O senador Paulo Paim (PT-RS) também reprovou. “Um absurdo. Teremos mais pobreza e desigualdade social. Esses direitos são fundamentais para o bem-estar, o crescimento e o desenvolvimento do país”, postou no Twitter.

Em nota, o Todos Pela Educação alertou para os riscos de desvincular a verba do setor. “A PEC revoga trechos do artigo 212 da Constituição Federal, que extinguem a subvinculação dos recursos destinados à manutenção e ao desenvolvimento do ensino para União, estados e municípios (Inciso IV do Art. 4º da PEC)”, alertou a organização da sociedade civil. “Tal medida muda completamente o contexto orçamentário da educação brasileira. A desvinculação, além de potencialmente levar a uma redução substancial dos gastos públicos com educação, inviabilizará a implementação do Fundeb, mecanismo de redistribuição dos recursos vinculados à educação.”

De acordo com a presidente executiva da entidade, Priscila Cruz, não era esperado que o tema viesse à tona na PEC Emergencial “de forma tão intensa e tão rápida”, após a aprovação do Fundeb. “Votar como está no relatório é enterrar o Fundeb. Todo o trabalho de modelagem de uma política que é exemplo para o resto do mundo, todo esforço será enterrado se houver essa revogação do artigo 212 (da Constituição)”, enfatizou. “O que eles estão querendo realmente? O que eu acho que tentam fazer é jogar um obstáculo bem alto para chegar a um meio-termo, que é a união dos pisos para educação e saúde. Uma medida extremamente oportunista.”

Economista e fundador da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco disse ser perigoso debater a PEC “de forma açodada”. “O fim dos percentuais mínimos constitucionais para saúde e educação precisa ser analisado com cautela. Os municípios, atualmente, já gastam, em geral, mais do que os mínimos. Se diminuírem os repasses da União e dos estados, as dificuldades na ponta vão aumentar”, afirmou. “Na essência, a tese da desvinculação existe há anos, há vários governos, e é correta. Na prática e na forma, é necessário que seja avaliada com cautela, notadamente, em época de pandemia”, avisou. (Colaborou Fernanda Strickland, estagiária sob a supervisão de Cida Barbosa)

Disputa por verbas

Caso a desindexação de recursos seja aprovada pelo Congresso, os parlamentares federais, estaduais e municipais terão de decidir, ano a ano, qual será o montante de recursos destinado à educação e à saúde, disputando com outras demandas dentro do Orçamento.