Correio Braziliense, n. 21094, 24/02/2021. Política, p. 2

 

Ameaça de entrave ao auxílio emergêncial

Jorge Vsconcellos 

24/02/2021

 

 

 Recorte capturado

A retomada do auxílio emergencial pode atrasar ainda mais, por causa da polêmica em torno da proposta de desvinculação de gastos com saúde e educação, constante do parecer do relator da PEC Emergencial, senador Marcio Bittar (MDB-AC). Líderes de diferentes partidos, incluindo de centro e de esquerda, dizem que a manutenção desse ponto no texto vai inviabilizar um acordo para a votação da matéria em dois turno no Senado, amanhã, frustrando os planos do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). A pressão dos parlamentares, conforme apurou o Correio, levou Pacheco a considerar um adiamento da votação.

Como se trata de uma proposta de emenda à Constituição, a matéria precisa ser aprovada em dois turnos, por, no mínimo, 49 dos 81 senadores. Entre os dois turnos, é necessário um intervalo regimental de cinco dias úteis, mas esse interstício pode ser revisto se houver entendimento entre os líderes. A dificuldade é que, além de mudanças no texto da PEC Emergencial, os líderes partidários exigem o cumprimento do prazo regimental de cinco dias, para que possam apresentar emendas.

A polêmica começou depois que Bittar apresentou seu parecer a líderes partidários, na segunda-feira. O texto propõe um protocolo de responsabilidade fiscal e uma “cláusula de calamidade” para que o governo possa manter o pagamento do auxílio emergencial sem respeitar o teto de gastos. Para garantir os recursos necessários à concessão do benefício, o relator incluiu na matéria a proposta de desvinculação das receitas previstas na Lei Orçamentária para saúde e educação. 

Dessa forma, seriam revogados os dispositivos da Constituição que garantem o percentual de repasses mínimos para essas duas áreas, o que obrigaria o Congresso a defini-los a cada ano.

Atualmente, os estados e o Distrito Federal têm de destinar 12% das receitas com impostos às ações de saúde. Os municípios precisam aplicar o equivalente a 15%. Na União, esse índice também era de 15% da receita corrente líquida até 2017, quando o piso passou a ser atualizado pela inflação. No caso da educação, o mínimo é de 25% das receitas com impostos para estados e municípios. Na União, o piso era de 18% até 2017, quando o valor passou a ser atualizado pela inflação.

Parlamentares que se opõem à proposta de desvinculação dos gastos com saúde e educação criticam esse dispositivo devido ao avanço da pandemia da covid-19 no país e à recente promulgação, em 28 de dezembro, da emenda constitucional que torna permanente o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e aumenta a participação na composição dos seus recursos.

Líder do PSDB no Senado, Izalci Lucas (DF) disse que a votação será adiada, em razão da falta de acordo entre os partidos. “Tenho informação de que eles vão apresentar um novo substitutivo amanhã (hoje), ou hoje à noite (ontem). Eles têm que retirar isso (desvinculação) de qualquer forma”, afirmou ao Correio, acrescentando ter confiança, também, de que será mantido o interstício de cinco dias úteis entre os dois turnos de votação. “Então, a análise dessa PEC vai demorar mais um pouco.”

Izalci também lamentou que a proposta de desvinculação tenha surgido pouco depois da promulgação do Fundeb. “Qualquer partido aqui é contrário a isso. Nós aprovamos o Fundeb, por unanimidade, em dezembro. Nem botaram para funcionar e já querem revogar tudo o que levamos 10 anos para aprovar? Eles vão ter de tirar esse dispositivo, não tem como aprovar (a PEC) com isso”, emendou.

O líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), reuniu-se com Pacheco, ao lado de outros parlamentares oposicionistas. Nas redes sociais, ele criticou a proposta relativa aos recursos da educação e da saúde. “Nos últimos 90 anos, o Brasil desvinculou saúde e educação duas vezes (1937 e 1967), ambas sob imposição de constituições ditatoriais. Os recursos da educação e da saúde devem ser vinculados, não pode favorecer um em prejuízo do outro. Não vamos aceitar isso na PEC Emergencial”, avisou Randolfe. O parlamentar acrescentou que “isso destruiria o Novo Fundeb, que foi conquistado a duras penas nesta legislatura, não só pelo Parlamento, mas pelos movimentos sociais e pela participação direta do povo”.

Na segunda-feira, Pacheco disse que o Senado votaria a PEC em dois turnos amanhã. Além de assegurar haver um clima entre os senadores para esse arranjo, ressaltou que, com a aprovação da proposta em dois turnos, o governo já poderia iniciar o pagamento do auxílio emergencial, uma vez que há acordo para a avalização do texto na Câmara.

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Ontem, Lira defendeu, em live do jornal Valor Econômico, a desvinculação dos orçamentos da educação e da saúde e disse que, se o assunto não for enfrentado no Senado, poderá ser debatido pelos deputados, mesmo que o texto tenha de voltar aos senadores para validação das mudanças. Ele assumiu, porém, não fazer ideia se a medida passará, mesmo na Câmara. Questionado, não soube defender a desvinculação em relação ao risco de a medida prejudicar ou até inviabilizar o Fundeb.

“Eu não entendo de educação, mas sei quando uma coisa está boa ou ruim. Seria o Congresso o responsável por rever isso com coragem. E a vontade de trazer a discussão às claras, em uma PEC, vamos fazer. Se o Senado fizer, ótimo. Se não, nós faremos. É ruim, mas volta para o Senado rapidamente”, enfatizou o presidente da Câmara.

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Entidades farão ato na frente do Congresso 

24/02/2021

 

 

Entidades representativas da saúde e da educação pressionam para que o relator da PEC Emergencial, senador Marcio Bittar (MDB-AC), retire do texto a proposta de desvinculação orçamentária das verbas destinadas às duas áreas. Representantes do Conselho Nacional de Saúde (CNS), a principal instância de deliberação do Sistema Único de Saúde (SUS), têm agendada, para hoje, uma audiência com o Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), ao qual pedirão a manutenção das duas vinculações. O CNS marcou, também para hoje, um ato em frente ao Congresso.

Durante a audiência com Pacheco, integrantes do CNS estarão acompanhados de representantes do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems).

Em vídeo publicado nas redes sociais, o presidente do CNS, Fernando Pigatto, afirmou que “estão querendo retirar os mínimos constitucionais que estão lá garantidos, depois de ampla luta do povo brasileiro por democracia”. “E está no artigo 196 o mínimo para a saúde e no artigo 212, o mínimo para a educação. Não aceitaremos nenhum ataque à Constituição brasileira. A palavra é mobilização e pressão junto ao Congresso Nacional para que não tenhamos mais esse retrocesso, que ataca, diretamente, a vida das pessoas”, ressaltou.

O Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) também se posicionou contra a PEC Emergencial. Em nota, a entidade afirmou que o parecer de Bittar é um “sério golpe no financiamento da saúde e educação, extinguindo disposições que resultam de longa caminhada da sociedade brasileira e que garantem patamares mínimos de gasto público, essenciais ao atendimento das necessidades da população brasileira”.

A Frente Parlamentar Mista da Educação também rejeitou as mudanças na PEC, enfatizando ser “inaceitável colocar em risco o financiamento de recursos da educação básica”. “A Frente Parlamentar Mista da Educação entende que ambas as áreas (saúde e educação) são estratégicas e incontingenciáveis, devendo ter assegurados seus recursos para garantir o desenvolvimento de políticas públicas de médio e longo prazos. Nossa luta é por qualidade de vida, cidadania e justiça social para as nossas futuras gerações”, disse o comunicado. (JV)