Título: De Carlos Luz a Severino
Autor: Pedro do Coutto
Fonte: Jornal do Brasil, 02/03/2005, País, p. A4

Desde a redemocratização de 46 até agora, nunca houve uma derrota do governo no Congresso como a que representou a vitória de Severino Cavalcanti. Não apenas pela enorme margem de cem votos, mas sobretudo pelo que o episódio significa em termos de desabamento de um esquema político: a maioria transformou-se em minoria. Não se deve classificar a votação de uma madrugada de fevereiro como um êxito do fisiologismo partidário, ainda que este fator tenha estado presente no desfecho. O fisiologismo expunha-se, também, ao lado de Luiz Eduardo Grenhalgh. Ou não será esse o impulso do Executivo ao mobilizar ministros durante todo um domingo para atender reivindicações dos eleitores da segunda-feira? O que causou a derrota do governo foi muito mais a contradição entre a mensagem reformista contida na vitória das urnas com a atuação conservadora a partir de janeiro de 2003. A bela mensagem social das ruas foi substituída por uma seqüência de derrotas dos salários diante das taxas de inflação do IBGE. O candidato de ontem encontra-se em oposição ao presidente de hoje.

Este é o aspecto principal da questão. Da mesma forma queLula interpretou a rejeição a Fernando Henrique Cardoso, Severino Cavalcanti chegou à presidência da Câmara levado por uma revolta contra o estilo centralizador do poder oficial e pela ausência de um projeto político-econômico definido, que, a exemplo dos anos JK, emocione a sociedade e a incorpore, não só ao processo produtivo, mas também aos resultados de desenvolvimento. Falta hoje o principal motor da política: a esperança, como dizia Juscelino.

A eleição para a Mesa da Câmara é mais importante do que se possa pensar. Tanto assim que o ministro Palocci participou de audiência convocada por Severino Cavalcanti, com a presença de empresários, quando concordou em alterar a MP 232 que tanta reação provoca por aumentar a taxação das prestadores de serviços. Para acentuar a importância das direções legislativas, podem ser lembrados acontecimentos de 50 anos atrás. Em fevereiro de 55, com os votos da UDN, Carlos Luz, do PSD, foi eleito presidente da Câmara. Dez meses depois explodiu a crise de 11 e 21 de novembro, quando dois movimentos político-militares foram necessários para garantir a posse de Juscelino Kubitschek, legitimamente eleito mas ameaçado pela pregação golpista de Carlos Lacerda. No início de 55, o presidente Café Filho, vice de Vargas, perdia a Mesa da Câmara e o seu próprio rumo político. O presidente Luís Inácio Lula da Silva deve olhar para o espelho da história e reencontrar-se consigo mesmo e com o povo que o levou à vitória da esperança, da mudança e do futuro.

*Pedro do Coutto é jornalista