Título: Protecionismo, uma ameaça real
Autor: Rosa, Leda
Fonte: Jornal do Brasil, 23/11/2008, Economia, p. E2
Especialistas brasileiros vêem com pessimismo as negociações de acordo para Rodada Doha.
A retomada das negociações e a conquista de um acordo que regule a liberalização do comércio mundial enfrentam as barreiras de novos e antigos temores protecionistas. Hoje, o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, vai passar o dia em reunião com embaixadores de alguns países líderes das negociações da Rodada Doha, em Genebra.
O encontro integra uma série na qual Lamy avalia as chances reais de um acordo multilateral, meta apontada pelos líderes do G-20. Mesmo com tantas sondagens, a nova rodada ministerial, prevista para meados de dezembro, está longe da garantia de um final feliz, por conta dos impactos da crise, que estimula novas ações protecionistas. E a onda protecionista se espalha na economia global. É uma resposta dos governos às pressões dos setores afetados pela crise. Na Europa, a França já destina recursos à indústria naval e a Alemanha sinaliza ajuda para o setor automobilístico. Para evitar a falência de várias empresas americanas, a conta pode chegar a US$ 300 bilhões. A Índia elevou a taxa de importação do setor siderúrgico.
No Mercosul, o cenário não é melhor. Brasil e Argentina aumentaram a Tarifa Externa Comum (TEC) para produtos como vinho, produtos de couro e têxteis. A Argentina também pretende acionar o Mecanismo de Adaptação Competitiva (MAC) para frear as importações de itens brasileiros nas áreas de metalomecânica e autopeças.
¿ A emergência do protecionismo é um comportamento esperado dos países diante da grave recessão que vivemos ¿ diz Maria Lucia Pádua Lima, economista da FGV-SP e coordenadora de Relações Intenacionais da Direito GV.
Maria Lucia lembra as lições aprendidas na Grande Depressão de 1929, quando o protecionismo provocou o colapso do comércio internacional, ao agravar a recessão mundial.
¿ O receio dessa volta do protecionismo é que poderá estimular este entendimento e afastar o fantasma da depressão econômica. Doha significa uma proteção contra o ressurgimento muito virulento do protecionismo ¿ diz.
Este seria o ponto de partida ideal para a conquista de um acordo em dezembro, na opinião de Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos e presidente do Conselho de Comércio Exterior (Coscex) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
¿ Vai ser difícil, a menos que haja concessão de todos os lados, tanto dos emergentes como dos países desenvolvidos, baixando a ambição sobre a negociação ¿ diz.
Barbosa não é o único, no entanto, a duvidar de um acordo. Alfredo Valladão, professor do Instituto de estudos Políticos de Paris (Sciences Po), também considera remotas tais chances.
¿ Sou bastante cético sobre um resultado em dezembro. A China, Índia, Argentina e África do Sul já disseram que não farão nenhuma concessão e que os ricos devem avançar. Dos emergentes, só o Brasil é que está tentando ¿ diz Valladão, que dirige a Cátedra Mercosul.
De acordo com Barbosa, a questão das salvaguardas especiais ¿ mecanismo que protege os países de um surto nas importações que deflagrou o fracasso de julho ¿ deve ser mantida pela Índia e China sobre o setor industrial.
De qualquer modo, mesmo que haja acordo, Doha não termina em dezembro. Um acordo entre os ministros se dará apenas sobre um aspecto da rodada: as modalidades, que são as condições de negociação para abertura do comércio nas áreas agrícola, de serviços e industrial. Um consenso nas modalidades reabrirá a negociação em outros aspectos comerciais, que deve ocorrer a partir de 2010, com a mudança de governo nos Estados Unidos.
¿ A negociação de Doha, na minha opinião, não se concluirá antes de três anos ¿ diz Rubens Barbosa.
Seja no tempo que for, a busca do consenso passa, obrigatoriamente pela questão política.
¿ Não é uma coisa só técnica, realmente ela é política, não se trata de sentar amanhã e resolver tecnicamente o assunto. A Índia realmente não gostou das salvaguardas porque queria, com o surto de importações, aplicar uma sobretaxa quase que proibitiva, posição depois apoiada pela China. Isso o Brasil não quer, os Estados Unidos não querem, ninguém quer. Então estamos neste ponto ¿ diz Mário Marconini, diretor de negociações internacionais da Fiesp.