Título: Por uma regulação mundial dos mercados
Autor: Loureiro, Ubirajara
Fonte: Jornal do Brasil, 23/11/2008, Economia, p. E4

Co-autor da Lei de falências, professor Aloisio Araújo analisa desdobramentos da crise mundial e defende formulação de modelos econométricos para conter riscos sem cercear dinâmica no movimento de capitais.

O mundo caminha para uma regulação mundial, ainda não muito bem definida, com o objetivo de dar maior visibilidade às operações financeiras originadas na economia real e que são extrapoladas para transações com derivativos em volumes perigosos. Os organismos multilaterais, como Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e Bancos de Compensações Internacionais precisarão ser substancialmente fortalecidos. As agências de classificação de risco deverão ser submetidas a uma regulamentação mais rígida a fim de serem evitados problemas como o de o analista ser remunerado pelo analisado, em detrimento da isenção do diagnóstico.

Estas são algumas das opiniões do professor Aloisio Araújo, graduado em Ciências Estatísticas e Economia, mestre em Matemática e doutor em Estatística pela Universidade da Califórnia, participante ativo do grupo que elaborou a espinha dorsal da nova lei de falências no Brasil, sobre os possíveis desdobramentos da crise financeira que, originada nos Estados Unidos, alastrou-se pelas economias de todo o mundo.

Voz pausada e aparentando calma, apesar de estar às voltas com a intrincada organização do Congresso Latino-Americano de Economia e Econometria, onde as especulações sobre teoremas complexos cederam muito espaço às discussões sobre a crise mundial, Araújo destaca uma particularidade da atual turbulência financeira: não houve corrida de saques contra bancos, talvez evidenciando que o mundo aprendeu alguma coisa com a depressão da década de 30 do século passado.

O professor tem uma opinião firme sobre os derivativos: devem ser preservados, porque, quando bem usados, são uma forma de se reduzir o risco internacional, mas devem ser negociados em bolsa, e não no mercado de balcão, em benefício da transparência e da segurança das operações. Tudo isto sem cair numa rigidez total, que poderia eliminar avanços conquistados nas últimas décadas, e entremeado pelas incertezas sobre a conduta do governo Barak Obama, pois hitoricamente os EUA rejeitam imposições de organismos multilaterais.

Araújo alerta sobre os riscos do protecionismo, que, no seu entender, pode agravar qualquer recessão. Acha que os bancos de investimento vão acabar e defende elevação do seguro para depósitos bancários. A seguir, trechos de entrevista que deu ao Jornal do Brasil.

Regulação l

Sobre a proposta do G-20, de regular as atividades dos 30 maiores bancos do mundo acho que, nestas coisas, se vai muito por tentativa e erro. Acho que estão na direção certa, mas estão testando novas regras regulatórias. Há um problema que estava descoberto, que era a questão do sistema financeiro internacional, que cresceu muito, ficou muito mais complexo. Então, precisa-se ter alguma regulação supranacional. Vai nesta direção, porque eles fazem muitas operações fora dos países, e se tem esta dificuldade maior da internacionalização, que bate na falta de agentes regulatórios, de autoridades supranacionais. Então, é necessário criar organismos mais fortes.

Balões de ensaio

Os Estados Unidos preferem usar instituições que já existem (FMI, BIS e Bird), embora com mais participação de países emergentes. Elas foram feitas numa época em que a economia era outra, houve uma mudança muito grande na importância de diversos países, e nas características, que exigem uma mudança, um novo desenho. Minha impressão é que tudo o que está acontecendo agora são balões de ensaio, mas o fato é que o que vai ser feito pelo BIS, pelo FMI, pelo Banco Mundial é a questão. Acho que eles vão crescer de importância, ficar mais internacionalizados, vão ganhar um peso específico maior. Não é fácil fazer um desenho de controle supranacional. Os Estados Unidos, por exemplo, não aceitam decisões de cortes internacionais. Com um novo governo nos EUA, talvez as coisas fiquem mais fáceis e se caminhe para isto, com uma legislação nova, pesada. Mas ainda não se tem idéia de como fazer isto. Tudo o que tem saído até agora são tentativas de se esboçar este arcabouço. Algumas dessas idéias vão vingar, outras não, mas está tudo muito incipiente ainda...

Risco inevitável

O risco sistêmico é um problema muito sério, em geral. E os economistas têm muito a visão - até estou trabalhando nisto agora, acho muito interessante - muitos economistas têm a visão de que é impossível evitar o risco sistêmico. Porque a própria existência do sistema bancário tem como conseqüência o risco sistêmico. Tem um lado psicológico, mas também o fato de que para os bancos serem úteis à sociedade ele têm que operam de forma meio descasada. Muitas pessoas colocam com eles seus recursos, com a possibilidade de sacar quando necessário, e os bancos emprestam a prazos mais longos. Este casamento cria liquidez para empresas, para produção, e não pode ser restituído imediatamente. Pode-se até exigir um casamento mais equilibrado, com empréstimos equivalentes aos depósitos captados. Esta é a idéia de um grande liberal, que é o Milton Friedman.

Rigidez & crise

Para evitar estas crises bancárias tem que se fazer um sistema financeiro muito mais rígido. Mas aí se perde a flexibilidade do sistema financeiro. Há outra corrente, do laissez faire, que permite tudo ao mercado. Talvez o ideal fosse algo intermediário, para não ter tantos problemas bancários, de cumprir um pouco esta função social de ter este descasamento e criar continuamente mecanismos de controle para diminuir isto. Na grande depressão criou-se o seguro depósito, que temos aqui, desde a década de 90. Tudo para amenizar este tipo de crise. Agora os países aumentaram estes limites para acalmar a população.

Singularidade

Uma característica dessa crise bancária é que não houve corrida bancária, o que é uma grande coisa. O mundo aprende e isto é fascinante. Pode-se evitar problemas sem cair numa rigidez total.

Mudanças

Até recentemente, a compensação dos executivos de grupos financeiros estava muito associada ao curto prazo. Isto também é um problema. Outro problema são as agências de risco, que, inicialmente, eram pagas pelas pessoas que compravam os títulos. Depois passaram a ser pagas pelas instituições que lançavam os títulos. Aí poderia muito facilmente surgir um conflito de interesses, e o diagnóstico ficar comprometido. Isto vai ter que mudar.

Protecionismo

É importante que o mundo não caia no protecionismo, o que seria péssimo. Na grande depressão houve isto, porque os operários começaram a perder emprego e então o país acaba protegendo seu mercado de trabalho através de vários cerceamentos. Acontecem, então retaliações, e as trocas comerciais, em geral, diminuem. E acaba surgindo uma depressão pior ainda. Temos que ficar de olho nisto, porque o Obama, por um lado representa uma aproximação entre os países, comprou a idéia da regulação, tem força no congresso, em fim, muitos lados positivos.

Mas há algo ruim, o Partido Democrata é, tipicamente, mais protecionista. Não está havendo empobrecimento, as crises são diferentes. Agora há coisas novas, e algumas piores, como estes níveis de alavancagem nos derivativos. Mas não se pode, também, matar tudo isto, porque são instrumentos que, bem usados, representam redução de riscos internacionais. Os derivativos foram úteis em muitas situações. Mas tem que regular.

Dubieadade

Tem que haver mais regulação, temos que constatar que houve falhas muito grandes, sobretudo nos Estados Unidos. Esta garantia dada pelo governo tem quer temporária, especialmente por duas agências que meio públicas, meio privadas, sob pena de ter-se conseqüências mais nefastas ainda. Ou é privada, ou é publica. Uma coisa pública não pode ficar garantindo tudo, inclusive bônus privados , indefinidamente. Isto é um erro muito grande, como aconteceu nos Estados Unidos, e até por influência do governo.

Muitas falhas

Não se pode acabar com o mercado de balcão, que tem também seu papel, mas na bolsa os riscos agregados são menores. Terá que haver uma supervisão internacional, porque os bancos têm uma exposição internacional. Mas tem que se aprofundar muito este processo, com criação de organismos novos e aumentar o papel fiscalizatório de um super FMI. Outra coisa é que as agências, não sei exatamente como, devem ser mais transparentes. Os bancos de investimento deviam acabar, na prática. Enfim, são muitas falhas que ficaram mais nítidas depois da crise e que devem ser evitadas. Seguro de depósito mais amplos, porque o sistema financeiro cumpre um papel importantíssimo na sociedade moderna e isso tudo tem s que ser repensado em uma nova arquitetura

Decisões

Tem certas coisas que estão mais ou menos decididas. Vai ser controlada a off balance shit (lançamentos fora do balanço). Os bancos não registravam certas operações em seus balanços, como os derivativos feitos em cima da subprime. Diziam que não tinham responsabilidades sobre esses derivativos, mas, no fundo, tinham, porque perdiam capital do mesmo jeito. Primeiro, o Paulson era pela liberdade absoluta, depois enviou um projeto de lei ao Congresso, no ano passado, neste sentido autorizando o Federal Reserve a regular qualquer coisa que pudesse originar risco sistêmico. Nem se fala mais nesse projeto, provavelmente vai ser outro, mas isto vai ter que acontecer, a regulação dessas operações fora do balanço.

Perigo

Outra coisa importante é saber quão rigoroso vão ser os Estados Unidos na concessão de empréstimos imobiliários. Isto é um terreno muito perigoso, não se pode fixar, de repente, a regra, só compra se puder dar 30% de entrada. Isto restringiria muito o mercado para pessoas de baixa renda.

Basiléia 10

Tem que se ter modelos econométricos melhores na área de risco sistêmico , com desenvolvimento de novos instrumentos. Basiléia (acordo já na segunda versão, firmado na Suíça, para limitar a alavancagem de bancos comerciais). foi um avanço nisso, mas eu brincava com meus alunos, vamos fazer um exercício e pensar num Basiléia 10, por exemplo.