Valor econômico, v. 21, n. 5196, 26/02/2021. Brasil, p. A4

 

Covid reduz expectativa de vida em Minas Gerais

Ana Conceição

26/02/2021

 

 

No Estado, 84% dos óbitos pela doença ocorreram na faixa acima de 60 anos, contra 76% na média do país

O aumento da taxa de mortalidade provocado pela covid-19 reduziu em 0,65 ano a expectativa de vida ao nascer em Minas Gerais em 2020, segundo estudo da Fundação João Pinheiro (FJP). Trata-se de um fenômeno excepcional. Nos Estados Unidos, por causa das mortes provocadas pela pandemia, a expectativa de vida caiu um ano no primeiro semestre de 2020, algo que só ocorreu na Segunda Guerra Mundial. O dado, preliminar, foi considerado “uma aberração” pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), agência que fez o cálculo.

No Brasil, a pandemia também pode ter alterado outros indicadores demográficos, como a migração, e deve ter impacto sobre os resultados do Censo, que vai a campo neste ano. O que pode ter consequências, no futuro, para a formulação de políticas públicas.

Antes da covid-19, a esperança de vida ao nascer de Minas Gerais era de 78,2 anos, de acordo com estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em dez anos, esse indicador aumentou três anos. Nove meses de pandemia, em 2020, fizeram com que recuasse 0,65 ano, ou cerca de 20% de tudo o que ganhou na década.

“Todo esse impacto foi causado em um dos Estados menos afetados pela covid-19, em termos relativos”, afirma o pesquisador da FJP Olinto Nogueira, responsável pelo estudo. Isso pode dar a dimensão dos efeitos sobre a demografia de regiões mais castigadas, como o Amazonas, acrescenta.

Minas Gerais ocupa a 25ª posição em número de mortes entre as 27 unidades da federação, com 76 óbitos por 100 mil habitantes. Em números absolutos é o terceiro Estado com maior número de vítimas.

Segundo Nogueira, entre os vários fatores que entram no cálculo da expectativa de vida ao nascer, a mortalidade infantil é o que mais pesa. Mas as muitas mortes por covid-19, que se concentraram na população acima de 60 anos, deram um peso maior a elas, o que dá uma dimensão do excesso de mortes causado pela pandemia. “Em Minas Gerais, a mortalidade infantil não deve ter mudado tanto. Se a esperança de vida caiu, a mortalidade por covid-19 teve influência”, diz.

Em Minas Gerais, 84% dos óbitos por covid-19 ocorreram na faixa acima de 60 anos, uma proporção acima da média do país, de 76%. Nessa faixa etária houve uma sobremortalidade de 8,8% em 2020. Em algumas regiões do Estado, os números foram ainda maiores.

As maiores quedas na esperança de vida ao nascer ocorreram nas regiões com maior mortalidade por covid-19: Ipatinga (redução de 0,74), Governador Valadares (-0,76) e Uberlândia (-0,70).

Ana Maria Nogales Vasconcelos, coordenadora do Laboratório de População e Desenvolvimento da Universidade de Brasília (UnB), que está conduzindo estudo semelhante para o Distrito Federal, diz ser possível que a pandemia provoque redução na expectativa de vida também por meio do aumento da mortalidade infantil. A concentração de esforços do sistema de saúde para atender os casos de covid-19 no país aumentou a dificuldade no atendimento às gestantes. “É algo que ainda estamos avaliando”, afirma.

Essas alterações demográficas ocorrem justo no momento da realização do Censo pelo IBGE, adiado para este ano, observa Nogueira, da FJP, o que levanta questões sobre possíveis resultados fora do padrão, que em tese poderia afetar a formulação de políticas públicas que dependem de dados demográficos. É importante para os municípios saberem, por exemplo, a necessidade da construção de mais ou menos escolas.

Ana Maria, da UnB, diz que embora pesquisas conjunturais do IBGE (a Pnad, por exemplo) e registros administrativos como os dos cartórios civis preencham certas lacunas, algumas informações em nível municipal são produzidas apenas pelo Censo. “São dados importantes para formulação de políticas que levem em consideração gênero, faixa etária etc. A pandemia trouxe fatores que antes não estavam colocados”, diz. Ela diz que é cedo para entender como a pandemia afetará o Censo.

Ricardo Ojima, professor do Departamento de Demografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep), diz que o maior efeito da pandemia sobre o Censo deve se dar no momento da coleta de informações. “Pode haver receio das pessoas em receber os recenseadores por causa do medo de contaminação pelo coronavírus”, diz ele, que defende que se faça uma campanha de conscientização da população sobre a importância de prestar informações para o Censo.

“É preciso garantir a adesão da população. Se a pandemia afetar a prestação de informações para o Censo, isso pode comprometer a qualidade das análises posteriores” por pesquisadores e gestores públicos, segundo ele.