Valor econômico, v. 21, n. 5196, 26/02/2021. Brasil, p. A9

 

PEC da imunidade exclui mudanças na Ficha Limpa

Raphael Di Cunto

Marcelo Ribeiro

26/02/2021

 

 

Lira negou que emenda seja blindagem a parlamentares

A despeito da resistência de setores da oposição, a Câmara dos Deputados avançou ontem na discussão da proposta de emenda constitucional (PEC) da imunidade parlamentar. No entanto, mesmo após um acordo entre a maioria dos partidos para enxugar a proposta e excluir dela alterações na Lei da Ficha Limpa e a criação de novos recursos ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), a apreciação da matéria ainda não havia sido concluída até o fechamento desta edição.

Uma emenda, do PT, tentava defender a necessidade de duplo grau de jurisdição para que um político fique inelegível, embora a Lei da Ficha Limpa hoje exija apenas uma decisão colegiada. No caso de prefeitos, governadores e de parlamentares federais, que têm foro privilegiado, o primeiro julgamento já é por um órgão colegiado.

Até o fechamento desta edição na noite de ontem, nenhuma emenda tinha sido votada.

A proposta surgiu na terça-feira e rapidamente foi levada ao plenário por causa da prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) por ataques aos ministros do Supremo num vídeo publicado nas redes sociais.

A Constituição determina que os parlamentares só podem ser presos em flagrante por crime inafiançável, o que o STF entendeu ser o caso. A medida judicial gerou polêmica na Câmara e, embora a prisão tenha sido referendada por ampla margem, gerou um movimento para preservação de prerrogativas parlamentares.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), negou que a PEC blinde parlamentares, mas sinalizou, momentos antes da votação, que o texto iria mudar: “Eu sempre disse que não importa como as matérias chegam, importa como as matérias saiam”.

O texto passou por diversas alterações diante da repercussão negativa e a versão que ia a voto ontem previa, por exemplo, que os deputados não poderiam mais ser afastados do mandato por decisão judicial (o que começou a ocorrer no caso do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha); que a custódia dos parlamentares quando presos passará a ser do Congresso (hoje é o Judiciário que decide onde ficará o preso); que o juiz de custódia terá que acolher o pedido do Ministério Público na audiência de custódia para relaxamento ou manutenção da prisão (e não poderá decidir de ofício, como ocorreu com Silveira).

Outra mudança é de que o Supremo terá que dar aval às ações de busca e apreensão apenas nos gabinetes dos parlamentares.

A versão inicial dizia que isso teria que ocorrer para buscas tanto em gabinetes como residências, mas o parecer da deputada Margarete Coelho (PP-PI) estabeleceu que a exigência valerá apenas para investigações dentro do prédio do Legislativo. Nos demais lugares qualquer juiz poderá dar aval.

A proposta fará com que passe a constar da Constituição Federal que os deputados e senadores só serão julgados pelo STF “nos processos relativos a crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções parlamentares”.

A Corte decidiu, em 2018, restringir o foro privilegiado e que os crimes comuns serão julgados pela primeira instância do Judiciário. Esse entendimento, a partir da PEC, será incorporado à Constituição.

A PEC gerou bate-boca entre os deputados no plenário. Fábio Trad (PSD-MS) fez críticas ao projeto, dizendo que parlamentares que usarem o cargo para corrupção ficarão livres, mesmo se pegos em flagrante.

“Imagine por exemplo que um parlamentar seja colhido em ato flagrancial com uma mala recheada de dólares, desviados da sociedade brasileira. Não poderá ser preso em flagrante. Isso é um despropósito”, afirmou Trad. “Além de não poder ser afastado do mandato, ele não poderá ser preso em flagrante. Isso é impunidade total”, argumentou o deputado.

A relatora rebateu e disse que Trad fez “leituras enviesadas para levar a interpretações” que ele mesmo, “em seu íntimo, não acredita”.

“É muito triste ouvir um colega que eu tinha em alta estirpe jogar para a plateia dessa forma, em busca de likes atacar colegas na internet”, protestou. “Vossa excelência acha que está enganando a quem, deputado? [...] Vossa excelência sabe que não há um único dispositivo na Constituição dizendo que corrupção enseja prisão em flagrante”, afirmou.

Em reunião de líderes ontem, os deputados decidiram também a pauta da próxima semana. A intenção é votar as emendas feitas pelo Senado à Lei do Gás e ao marco legal das startups e depois enviar os textos à sanção.

Também será analisada medida provisória (MP) que aumenta a margem de consignado para aposentados durante a pandemia e a admissibilidade de PEC para que seja debatida uma reforma do sistema eleitoral por uma comissão especial.