Título: Fundo Soberano: medida arriscada
Autor: Costa, Gabriel
Fonte: Jornal do Brasil, 23/11/2008, Economia, p. E8

Projeto já aprovado na Câmara dos Deputados pode ter efeito de vacina na hora errada.

A criação do Fundo Soberano do Brasil tem como objetivo dar fôlego à economia em eventuais situações de crise, promover a industrialização do país e a internacionalização de empresas nacionais. Caso seja levado adiante no momento de instabilidade atual, no entanto, o projeto ¿ já aprovado na Câmara dos Deputados ¿ pode ter o efeito de uma vacina na hora errada e levar o país a contrair dívidas justamente enquanto tenta se prevenir contra dificuldades futuras, alertam especialistas.

¿ Todos concordam que o governo se endividará para manter um Fundo Soberano que não conseguirá render o suficiente para pagar a dívida ¿ analisa o senador Alvaro Dias (PSDB-PR), que acredita que a medida chega em momento impróprio e classifica o fundo como "extemporâneo".

No Brasil, a idéia da criação de um fundo foi impulsionada pela perspectiva de grande faturamento decorrente da extração da camada pré-sal. Segundo o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, com a perspectiva de reforço do superávit comercial e aumento na entrada de dólares no país, o Fundo seria importante para balancear as flutuações do câmbio no longo prazo.

Com a expectativa de só iniciar a produção do pré-sal em pelo menos quatro anos, entretanto, o governo resolveu destinar parte do superávit primário para o Fundo, que deverá, então, ser composto por recursos cambiais depositados ou investidos no exterior e eventuais recursos do petróleo. Já estão previstos para o Fundo mais de R$ 14 bilhões do excedente do superávit primário, valor que equivale a cerca de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB).

Com o aperto no crédito internacional e o preço do petróleo em queda ¿ com expectativas de que a demanda continue a diminuir em meio à crise ¿ especialistas questionam se haverá financiamento adequado para a exploração.

Para o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, o Brasil não apresenta condições fiscais adequadas que permitam a criação do Fundo Soberano.

¿ Os países que têm esse Fundo apresentam superávit estrutural nas contas externas, o que não é o caso brasileiro ¿ disse Malan.

O senador Antonio Carlos Magalhães Júnior (DEM-BA) reforça que, apesar de o Brasil apresentar superávit primário nas contas públicas, não há superávit nominal, que inclui o pagamento de juros. Assim, segundo o senador, "para colocar dinheiro no fundo tem-se que aumentar a dívida interna".

¿ Não faz muito sentido criar o Fundo. Seria melhor abater a dívida interna do que colocar recursos em um Fundo Soberano ¿ avalia o senador.

O senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) é mais um dos que questionam se, no contexto da crise econômica, haverá condições de se manter a geração de superávits primários. Virgílio também ressalta que o Fundo Soberano foi cogitado em um momento de situação cambial diferente da atual, em que o dólar está valorizado em relação ao real.

O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, no entanto, afirmou esta semana, em audiência da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE) para discutir a criação do fundo, que a instabilidade na taxa de câmbio é transitória, já que o movimento da economia mundial é de defluxo inflacionário. Coutinho disse ainda que considera plausível a queda dos juros no futuro proximo, o que abriria a perspectiva de o governo zerar o déficit nominal.

Já o presidente da CAE, senador Aloizio Mercadante (PT-SP), acredita que a ausência de superávit nominal e recursos provenientes do pré-sal não impede que seja debatida "com calma" a estrutura do Fundo, e também cita o exemplo da Noruega, onde o Fundo Soberano só recebeu aportes três anos depois de sua criação. O senador defende a criação imediata do Fundo, e diz que acredita na possibilidade de queda da Selic para evitar a desaceleração da economia.

O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) também diz que o debate deve ficar para depois, mas só o que se refere a como serão utilizados os recursos capitalizados pelo fundo.

¿ No primeiro momento a discussão é criar, depois discutimos quando implantar ¿ disse.

No início da semana, antes da audiência da CAE, o líder do DEM, senador José Agripino Maia (RN), resumiu a mentalidade dos opositores da medida ao dizer que "assim como a Petrobras parou de falar em pré-sal, o governo deveria parar de insistir com o Fundo Soberano". (com Agências)