Título: Esquerda assume em posse histórica
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Fonte: Jornal do Brasil, 02/03/2005, Internacional, p. A8

Multidão tomou Montevidéu para saudar Tabaré Vázquez

AFP Em todo o percurso até o palácio do governo o novo presidente foi ovacionado pelos uruguaios

MONTEVIDÉU - Em meio a uma grande festa nas ruas de Montevidéu, Tabaré Vázquez se transformou oficialmente ontem no primeiro presidente de esquerda do Uruguai, exatamente 20 anos depois da ditadura militar que perseguiu seus militantes. Vázquez se comprometeu a prosseguir com as investigações sobre os desaparecimentos durante o regime militar (1973-1985), a apoiar o fortalecimento do Mercosul e a continuar cumprindo os acordos com os organismos internacionais.

Diante de parlamentares, presidentes estrangeiros como Luiz Inácio Lula da Silva e personalidades como o escritor Mario Benedetti, Vázquez jurou ''trabalhar incansavelmente pela felicidade do povo uruguaio''. José Mujica, um antigo guerrilheiro tupamaro que passou mais de uma década preso - às vezes em situações penosas - pelos militares que em 1973 se rebelaram contra a legalidade constitucional, foi o encarregado de tomar o juramento feito por Vázquez. O novo presidente é médico, tem 65 anos e é filho de um socialista. Seu irmão foi preso pela ditadura por pertencer à guerrilha que enfrentou os militares.

A ascensão ao poder ocorre duas décadas depois da chegada do primeiro presidente democrático ao cargo. Vázquez ressaltou que, apesar de ter se passado tanto tempo, ''ainda sobrevivem zonas obscuras em matéria de direitos humanos''.

Uma comissão criada pelo governo que sai concluiu que os desaparecidos do país, cerca de 30, morreram em consequência de tortura, mas seus restos mortais não foram procurados. A lei de anistia proíbe julgamentos de militares e policiais acusados de violações.

- Reconheçamos que, para o bem de todos, é necessário esclarecê-las em vista da legislação vigente para que a paz se instale no coração de todos os uruguaios. E com a verdade tentaremos fazer com que o horror de outras épocas nunca mais se repita, nunca mais - afirmou o presidente.

Milhares de uruguaios com bandeiras em vermelho, branco e azul, do Encontro Progressista-Frente Ampla - a coalizão de esquerda - tomaram as ruas da capital desde a madrugada, como há 20 anos. A vitória de Vázquez no pleito de 31 de outubro significou o fim de mais de 170 anos de governos conservadores, e deu à coalizão maioria absoluta no Congresso bicameral. Sintomaticamente, um dos primeiros atos do novo regime foi o estabelecimento de relações diplomáticas com Cuba, rompidas desde 2002.

Cerca de 400 mil pessoas acompanharam Vázquez no trajeto de dois quilômetros entre o Congresso e o Edifício Independência, ex-sede do governo, onde receberia a faixa do ex-mandatário Jorge Battle.

O eleito aproveitou o discurso para reforçar os sinais de que não há motivo para os investidores se preocuparem.

- Não (se) ignorará a relação com os organismos financeiros internacionais. Também nesse terreno, desde o cumprimento das obrigações contraídas pelo país, promoveremos uma relação de respeito mútuo que leve em conta as necessidades e o direito ao desenvolvimento da sociedade uruguaia em conjunto - afirmou.

O presidente se comprometeu a criar políticas de geração de emprego, trabalhar com os partidos de oposição e combater a corrupção e o racismo.

Apesar do crescimento de quase 13% da economia em 2004, Vázquez deve enfrentar uma alta taxa de desemprego, que no último trimestre de 2004 bateu 12,1%, além da pobreza, que atinge quase um terço da população, e pesados pagamentos da dívida pública nos próximos dois anos.