Correio Braziliense, n. 21098, 28/02/2021. Política, p. 2

 

Pressão da economia atormenta Bolsonaro

Augusto Fernandes 

28/02/2021

 

 

O recrudescimento do número de mortos e infectados pela covid-19 voltou a impactar a economia do país, já que — para a insatisfação do presidente Jair Bolsonaro — governos estaduais e do Distrito Federal passaram a restabelecer medidas restritivas ao funcionamento do comércio, na tentativa de frear a disseminação do novo coronavírus. Como efeito, as ações acabam freando as expectativas do mandatário de ver as finanças do país começaram a voltar ao normal. Agora, a tendência é de que ele seja pressionado a apresentar novas alternativas para estimular a economia, mesmo diante de um cenário complicado para manobras fiscais.

Medidas pontuais e que produzam uma resposta a curto prazo estão em análise pela equipe econômica. Além de dar aval à retomada do auxílio emergencial — que deve ter mais quatro parcelas de R$ 250 e pode injetar até R$ 30 bilhões na economia —, duas saídas cogitadas pelo Planalto são a volta dos acordos de redução salarial e suspensão do contrato de trabalho e a antecipação do pagamento do 13º salário de aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Nas contas do Ministério da Economia, o adiantamento pode aquecer a atividade comercial com até R$ 50 bilhões. Contudo, a pasta aguarda a aprovação, no Congresso, do Orçamento da União para 2021 antes de sacramentar a medida. O objetivo é evitar desgaste por autorizar um gasto que não está previsto na atual Lei Orçamentária Anual, referente a 2020.

A antecipação do 13º da Previdência é uma opção interessante para o governo porque não acarreta nenhum tipo de despesa a mais, visto que já está prevista no plano orçamentário da União. O instrumento não é nenhuma novidade e foi adotado no ano passado, também por conta da crise sanitária. As duas parcelas do benefício foram pagas no primeiro semestre, em março e maio, e deram um fôlego de pouco mais de R$ 47 bilhões à economia nacional no período.

Outras apostas do Planalto para amenizar a situação estão em curso, como a antecipação do abono salarial, um "14º salário" pago a quem recebe até dois salários mínimos. Por decisão do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador, R$ 7,33 bilhões, que seriam pagos a 8,6 milhões de beneficiários apenas em 17 de março, foram disponibilizados em 11 de fevereiro.

Além disso, recentemente, o governo editou uma medida provisória que suspende até 30 de junho uma série de exigências previstas em lei para contratação de operações de crédito com instituições financeiras e privadas. O objetivo, segundo o Executivo, é simplificar e agilizar os processos de análise e liberação de crédito a empresas e pessoas físicas que ainda estão com dificuldades.

Na avaliação de pessoas próximas a Bolsonaro, o presidente está se virando como pode para tentar conter os efeitos da covid-19 e age com o objetivo de evitar que o Brasil entre em um colapso social ainda pior. Por mais que tenha dito, no fim do ano passado, que o país estava se endividando com as medidas de amparo aos mais humildes, como o auxílio emergencial, e que esse quadro não poderia ser mantido, o chefe do Executivo mudou o tom e, agora, fala em não deixar os brasileiros desalentados — o que impactaria, claro, na popularidade dele. Ao menos 13,9 milhões de pessoas estão desempregadas e outras 11,3 milhões desistiram de procurar emprego ou estão impossibilitadas de trabalhar, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Os aliados dizem que Bolsonaro também mudou o entendimento sobre a vacina contra o novo coronavírus. Depois de passar 2020 quase por completo duvidando da eficácia dos imunizantes e dificultando o processo de aquisição de alguns deles, o presidente entrou no grupo daqueles que apostam na vacinação em massa como fator determinante para a retomada da economia.

"Ninguém mais do que o próprio governo federal tem o maior interesse em, no menor prazo possível, vacinar toda a população brasileira, porque, a partir daí, sim, teremos a normalidade social, a normalidade econômica que trará a tranquilidade para tocarmos a vida dos brasileiros, de sul a norte", diz o deputado Sanderson (PSL-RS), vice-líder do governo na Câmara. "O governo federal, por meio do Ministério da Saúde e de todos os demais segmentos, tem trabalhado diuturnamente, de forma incansável, para minimizar danos na saúde pública."

Desafio

Na avaliação de especialistas, Bolsonaro não pode se omitir de garantir a instauração de medidas que mudem o cenário do país a longo prazo, pois só elas darão mais sustentação aos cofres públicos e tranquilidade à sociedade. Para o cientista político Enrico Monteiro, da Queiroz Assessoria Parlamentar e Sindical, o governo tem de conquistar a confiança de investidores, além de mostrar que está engajado em arrumar as contas públicas e em dar previsibilidade ao mercado sobre suas ações.

Nesse sentido, ele destaca serem indispensáveis as reformas estruturantes e a proposta de emenda à Constituição (PEC) Emergencial — tratando da regulamentação dos gatilhos a serem acionados no caso de descumprimento do teto de gastos. Monteiro também coloca a agenda de privatizações como um fator importante e diz que os projetos apresentados, na semana passada, da Eletrobras e dos Correios, foram essenciais sinalizações do Executivo.

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Nas entrelinhas: a tragédia do negocionismo 

Luiz Carlos Azedo 

28/02/2021

 

 

O presidente Jair Bolsonaro bateu no teto do negacionismo quando atacou governadores e prefeitos que adotaram medidas de lockdown. Em Fortaleza, durante evento que causou aglomeração e ao qual compareceu sem máscara, na sexta-feira, disse: "Agora, o que o povo mais pede, e eu tenho visto, em especial no Ceará, é trabalhar. Essa politicalha do 'fique em casa, a economia a gente vê depois', não deu certo e não vai dar certo". Aproveitou para ameaçar os governadores que não seguirem a sua cartilha: "O auxílio emergencial vem por mais alguns meses e, daqui para a frente, o governador que fechar seu estado, o governador que destrói emprego, ele é quem deve bancar o auxílio emergencial".

Mirou, sobretudo, o governador cearense Camilo Santana (PT), que havia endurecido as medidas de distanciamento social. Fortaleza está com uma taxa de ocupação de leitos de UTI de 94%, sendo uma das capitais em risco de colapso do Sistema Único de Saúde (SUS). As demais são: Porto Velho (RO), 100%; Florianópolis (SC), 96,2%; Manaus (AM), 94,6%; Goiânia (GO), 94,4%; Teresina (PI), 93%; e Curitiba (PR), 90,0%. O país já contabilizou 10,4 milhões de casos e 252 mil óbitos por covid-19 desde o início da pandemia. Na véspera das declarações, Bolsonaro havia questionado o uso de máscaras, enquanto o país batia o recorde de mortos num único dia: 1.582.

Psicologicamente, negacionismo é uma forma de escapar de uma verdade desconfortável. Na ciência, o negacionismo é definido como a rejeição dos conceitos básicos, incontestáveis e apoiados por consenso científico a favor de ideias radicais e controversas. Costuma se fortalecer quando a sociedade se depara com situações de instabilidade, como essa crise sanitária, ou diante de algo nunca presenciado, um vírus novo e letal, como é o caso. O negacionismo apela para teorias e discursos conspiratórios, que acabam favorecendo disputas ideológicas, interesses políticos e religiosos. Bolsonaro é paranoico, vê conspiração em tudo. Acredita que os defensores do lockdown (medida para conter a velocidade de propagação do vírus e evitar o colapso do sistema de saúde) querem desestabilizar seu governo e aprovar o seu impeachment.

Vacinas
No governo, além de Bolsonaro, os ministros de Relações Exteriores, Ernesto Araujo; do Meio Ambiente, Ricardo Salles; e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, em suas respectivas pastas, estão na linha de frente do negacionismo. O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, também fez parte desse time. Sua responsabilidade no colapso do SUS em Manaus, por falta de oxigênio, está sendo investigada, assim como no atraso da compra de vacinas, inclusive, as que estão sendo produzidas no Brasil, como a CoronaVac (Instituto Butantan); a Oxford (Fiocruz) e a Sputnik V (União Química, privada). Agora, corre atrás das vacinas da Pfizer, que negocia desde agosto e refugou em setembro passado.

O negacionismo é insidioso e perigoso, pois atua no campo ideológico para influenciar a opinião pública e legitimar governantes com posições anticientíficas. Com isso, pode resultar em tragédias humanitárias. É o caso da epidemia de Aids na África do Sul, que chegou a registrar 5,4 milhões infectados, para uma população de 48 milhões de pessoas. O ex-presidente sul-africano Thabo Mbeki (1999-2008) ficou para a história como o principal negacionista do HIV/Sida, que mandou tratar com erva, o que custou a vida de mais de 300 mil pessoas. Há quem exija que seja julgado por crimes contra a humanidade.

A negligência no combate à pandemia, a negação das vacinas e a insistência na promoção de tratamentos comprovadamente ineficazes contra a covid-19, pelo presidente Jair Bolsonaro, porém, provocou ampla mobilização de médicos, pesquisadores e entidades científicas, que atuam nos meios de comunicação e nas redes sociais para combater a fake news e explicar à população o que realmente está acontecendo. O negacionismo irresponsável é tanto que até hoje o governo não fez uma campanha oficial de esclarecimento e incentivo à vacinação, que é a última fronteira do combate ao negacionismo em relação à pandemia da covid-19.