Título: Calote esfria relação com Equador
Autor: Rosa, Leda
Fonte: Jornal do Brasil, 22/11/2008, Economia, p. A17

Itamaraty convoca embaixador do Brasil em Quito. Celso Amorim admite rever cooperação.

SÃO PAULO

O governo brasileiro disse ontem que "recebeu com séria preocupação" a decisão do governo equatoriano de entrar com ação junto à Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional para suspender o pagamento de uma dívida de US$ 243 milhões junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Os recursos foram emprestados ao governo daquele país para financiar a construção da Hidrelétrica San Francisco. Ontem, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, convocou o embaixador do Brasil no Equador, Antonino Marques Porto, para consultas. Juntos, vão analisar as relações entre os dois países, que se deterioraram rapidamente neste ano.

¿ O embaixador brasileiro está sendo chamado para consulta. Quem conhece as práticas diplomáticas sabe bem o que isso significa ¿ disse. ¿ Nós temos uma ampla cooperação com o Equador e vamos examinar à luz dessa decisão.

Contrariedade

O ministro manifestou contrariedade com o fato de a decisão ter sido anunciada em evento público, "sem prévia consulta ou notificação ao governo brasileiro".

Em nota, o Itamaraty disse que "a natureza e a forma de adoção das medidas tomadas pelo governo equatoriano não se coadunam com o espírito de diálogo, de amizade e de cooperação que caracteriza as relações entre Brasil e Equador".

Depois de classificar o episódio como sério, Amorim disse que o Brasil vai reavaliar os termos da cooperação com o Equador.

¿ Nós vamos examinar com a seriedade devida um fato que, de alguma maneira não corresponde ao que imaginamos devem ser as relações entre dois países amigos, tanto pela natureza da medida como a forma como foi tomada.

A decisão de Correa evidencia, para especialistas, uma nítida mudança nos rumos empreendidos nos últimos anos pela diplomacia brasileira na América do Sul. Depois de acumular reveses na Bolívia e na Venezuela, nos últimos anos, o Itamaraty optou dessa vez por demonstrar claramente a insatisfação com os rumos tomados pelas relações com o Equador. A mudança fica clara a partir das palavras do próprio Amorim, para quem a boa vontade com os países vizinhos pode não se repetir neste episódio.

¿ A política externa foi diversas vezes criticada por essa atitude, digamos, de compreensão em relação a certas situações quando achamos que agimos corretamente em todas as outras ocasiões no passado em que nós adotamos essa compreensão, porque isso era bom para o Brasil, bom para a integração, bom para o relacionamento dos países ¿ afirmou. ¿ Nesse caso, achamos que a medida adequada é chamar o embaixador e fazer uma consulta, uma reunião ampla da nossa cooperação.

Sabe-se nos bastidores que, enquanto Amorim fazia seu pronunciamento, representantes do governo equatoriano explicavam a situação para o presidente Lula. A mesma fonte relata que o presidente "se sensibilizou com as explicações" dos equatorianos e prometeu estudar uma forma de facilitar o pagamento da dívida.

O pedido do governo equatoriano pleiteia autorização legal para suspender o pagamento de uma dívida de US$ 243 milhões. Os recursos saíram dos cofres do BNDES em 2000 para a estatal equatoriana Hidropastaza, que os usou na construção da usina de San Francisco, no interior do país. A Hidropastaza era parceira da construtora Odebrecht, que foi expulsa do Equador depois que San Francisco teve suas operações suspensas em setembro deste ano por falhas técnicas.