Título: Ruptura do pacto de confiança
Autor: Melo, Clayton; Baldi, Neila
Fonte: Jornal do Brasil, 24/11/2008, Tema do Dia, p. A2

SÃO PAULO

O sistema financeiro internacional está baseado em um pacto de confiança. Este componente, que representava o elemento de apoio psicológico, se esvaiu. As operações perderam sustentação e desmoronaram como um castelo de cartas. No centro da crise, os grandes intermediários financeiros, com estrutura profissional, recursos e musculatura política, obtiveram sucesso em repassar as perdas e fazer com que os governos assumissem seus prejuízos sob ameaça de uma crise sistêmica.

Se observa agora o movimento de setores produtivos dos EUA e de países europeus em busca de soluções semelhantes para a situação financeira, analisa Ladislau Dowbor, professor do departamento de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

As três grandes montadoras de automóveis americanas ¿ General Motors, Ford e Chrysler ¿ estão se "declarando em situação catastrófica" para poder drenar recursos públicos a exemplo do setor financeiro. Na Europa, outras indústrias articulam ações similares, diz Dowbor.

¿ O dólar deixou de ser ancorado no ouro em 1971, no mandato do presidente Richard Nixon ¿ lembra Dowbor. ¿ Foi ali que Bretton Woods começou a morrer.

O acordo definiu o dólar como moeda reserva e os Estados Unidos teriam de garantir que US$ 35 equivaleriam a uma onça (31,1 gramas) de ouro. Os americanos romperam o equilíbrio e emitiram moeda para comprar empresas em todo o mundo. O primeiro a se dar conta disso foi o ex-presidente francês Charles De Gaulle, que devolveu os dólares pelo ouro, que seria o lastro da moeda, e não havia em Fort Knox quantidade suficiente do metal.

¿ Este foi o maior golpe já aplicado ¿ afirma o economista.

De acordo com Dowbor, a economia passou a operar lastreada em "um pacto de confiança que permitiu a construção de uma estrutura surrealista na qual o dólar é uma espécie de vale" que asseguraria o retorno em produtos e serviços reais.

¿ Passaram a emitir vales sobre vales e foram construindo uma pirâmide de papéis ¿ comenta. ¿ O resultado é a construção de um castelo de cartas.

As pessoas perderam a confiança de que poderiam recuperar as aplicações. À medida em que percebem que os títulos estão perdendo valor e que há um movimento de venda generalizado, entram na corrida. A partir daí "temos um efeito de manada".

Neste movimento de "empurrar as perdas para a frente" os grandes intermediários financeiros transnacionais são os que mais rapidamente se livram dos papéis e aceleram o desmoronamento do sistema. Segundo o economista, eles sabem migrar com extrema rapidez de uma posição para outra. Além da estrutura profissional preparada para lidar com crises de grande envergadura, estes grupos têm "musculatura política para assegurar que os governos assumam suas perdas porque os ameaçam com uma crise sistêmica".

¿ A classe média que aplica em poupanças complementares verá este dinheiro desaparecer ¿ diz Dowbor. ¿ Socialmente o impacto é extremamente pernicioso e vai atingir os pequenos que, com o esfriamento da economia, vão perder empregos.