Título: Charme é a reconstrução de Holywood
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 02/03/2005, Caderno B, p. B3

As biografias passam sempre pelo mesmo perigo. Quando o retratado é muito conhecido, o público procura ver se está parecido com o real - se estiver, 50 pontos a favor. Se for um personagem carismático e se estiver bem representado, 100 pontos. Vide Jamie Foxx em Ray. Quando o biografado não é conhecido, partimos do zero. A história tem o compromisso ''moral'' com o que esta pessoa fez ou foi. Exemplos: John Nash em Mente brilhante, Jeffrey Wigand em O informante, Erin Brockovich - Uma mulher de talento, David Helfgott em Shine - Brilhante. Todos títulos de 1996 para cá, nomeados e alguns vencedores. E os retratados não eram conhecidos do grande público.

Michael Mann é o diretor de dois dos citados (Mente e Informante) e dirigiria O aviador, além de produzi-lo. Mas achou que estava dirigindo muitas biografias e chamou um mestre, Martin Scorsese. Pois o professor pisou na casca da banana tentadora.

O filme narra parte da vida de um, hoje, ilustre desconhecido. Mas Howard Hughes (1905-1976) foi notícia em sua época. E já teve vários filmes sobre ele ou sob sua inspiração, sendo conhecido apenas por alguns mais velhos, que acompanharam o final da vida deste conquistador dos ares e de mulheres. Temido empresário e inacreditável paranóico. A minha deturpação profissional está impedindo que eu cumpra o que me foi pedido, uma crítica. Mas, como falar do filme se não falo do material usado para fazê-lo? Do por que a Academia deu prêmios à fotografia, direção de arte, edição, figurino e não à direção e ao filme?

O filme é frio. Seu melhor charme reside na reconstituição da época áurea de Hollywood. E Hollywood adora Hollywood! O mestre Scorsese já realizou cinco filmes que mereciam prêmios. Todos nomeados, inclusive ele próprio. Em que pese a boa produção premiada e o competente elenco - difícil foi para Cate Blanchett (outra merecida vencedora), pois entra na categoria dos conhecidos publicamente - o filme é frio. Estranha-se que o inquieto diretor tenha dirigido este espetáculo. De Hughes, conta bastante coisa de sua carreira profissional, política e amorosa. E é distante.

Tenho a impressão de que o mestre Scorsese estava cumprindo um contrato. Não tem a alma apaixonada de Touro indomável, Taxi driver ou Bons companheiros. E ele erra no primeiro mandamento do mestre dos mestres, Billy Wilder. O filme não tem final! Espero não ter estragado o final do filme de quem ainda não o viu. Mas, como não tem, não estraguei. Scorsese não ajudou a Academia a pagar a dívida que tem com ele. Está entrando na longa lista de ótimos diretores sem Oscar. Cheguei em casa e assisti a Hell's angels, filme dirigido por Hughes e que corresponde a 25% do filme em questão.