Título: Legislativo promove insegurança do servidor
Autor: Medeiros, Marcelo
Fonte: Jornal do Brasil, 25/11/2008, Opinião, p. A9

Continua sem solução o problema dos funcionários contratados ilegalmente por tempo indeterminado.

O deputado Arlindo Chinaglia vai terminar seu mandato de presidente da Câmara dos Deputados sem ter colocado em votação, conforme prometeu quando tomou posse, os projetos de lei que efetivam os servidores contratados pelo governo há vários anos, em desacordo com a lei.

A Constituição, nos incisos II e IX do artigo 37, estabelece o concurso público como regra para o ingresso na administração pública. Ficam ressalvadas as nomeações para cargos em comissão e os casos de contratação "por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público."

Entretanto, na prática, essas contratações se perpetuam por vários anos descaracterizando a condição de trabalho temporário, com prazo determinado, conforme determina a lei maior.

Como resolver o problema desses servidores, que não prestaram concurso, unicamente porque não foram abertos concursos para os cargos que ocupam?

Alguns municípios não organizam concursos há dezenas de anos. Outros, até hoje, nunca fizeram.

A existência de contratados por tempo indeterminado e fora das condições previstas na lei resulta no governo promover a insegurança jurídica de centenas de milhares de famílias, o que é expressamente proibido pela jurisprudência predominante dos tribunais superiores.

A efetivação de servidores contratados sem concurso faz parte da tradição constitucional brasileira. Consta de todas as Constituições desde a de 1946. Os projetos de emendas constitucionais, que o presidente da Câmara não submete à votação, e que poderão ser aprovados ou não, seguem esta tradição.

Os governadores Aécio Neves e José Serra, com o apoio das respectivas assembléias legislativas, já efetivaram, em Minas Gerais, 98 mil, e, em São Paulo, 205 mil servidores sem que tivessem prestado concurso.

É inadmissível que o governo, 20 anos depois de promulgada a Constituição de 1988, não tenha resolvido a situação destes servidores, cuja efetivação nem implica em aumento de despesas porque todos já constam das folhas de pagamento.

No entanto, só em 2008, o governo petista criou 85.900 novos cargos, quase sete vezes mais do que os 13.375 previstos para este ano.

A permanência de servidores contratados ou desviados de suas funções por 10, 15 ou mais anos é uma ilegalidade que precisa ser corrigida.

Por mais que atormentem os juristas, as inconstitucionalidades produzem efeitos que interferem na vida das pessoas. Hans Kelsen (1881-1973), talvez o maior de todos os constitucionalistas, foi quem resolveu o impasse na Constituição da Áustria de 1920, ensinando que, em muitos casos, as ilegalidades precisam ser toleradas até que o poder legislativo lhes dê solução.

O problema é sério e tende a se agravar. E não será pela insensatez de demitir esses 200 mil ou 300 mil servidores contratados com as respectivas conseqüências sociais, funcionais e jurídicas, que se vai resolvê-lo.

Os milhares de eleitores contratados por prazo indeterminado, que há anos prestam serviços à administração pública, em condições de insegurança, merecem o apoio e a consideração dos parlamentares, que foram eleitos, também, para resolver questões como esta.