Correio Braziliense, n. 21105, 07/03/2021. Cidades, p. 18/19

 

Um ano de pandemia, um ano de luta

Luana Patriolino 

Samara Schwingel 

07/03/2021

 

 

Há um ano, em 7 de março de 2020, o Ministério da Saúde emitiu uma nota com a confirmação do primeiro caso de infecção pelo SARs-Cov 2 no Distrito Federal. Desde então, mais de 300 mil pessoas se infectaram com o vírus e 4950 vieram a óbito. Por um lado, o DF acumula dois lockdowns, cerca de 20 decretos publicados regulando as atividades na cidade e sete remessas de vacinas contra a doença. Por outro, o sistema de saúde local chegou perto de um colapso, com a ocupação de cerca de 98% das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) para tratamento da covid-19, na rede pública.

Quatro dias após o primeiro caso, o governador Ibaneis Rocha (MDB) decretou a suspensão das atividades presenciais na rede pública e privada de ensino (leia Linha do tempo).Em retrospectiva, o governante afirma que houve mais acertos que erros. "Em grande parte, nós acertamos. Conseguimos dar um atendimento à população que foi elogiado por muitos, pois não ficou uma pessoa sem atendimento. Por isso, podemos dizer que fizemos um bom trabalho", diz. Porém o emedebista afirma que o lado econômico saiu prejudicado. "Tivemos um problema muito sério na economia tanto no setor privado quanto no público. É uma consequência da pandemia, que teve reflexo nos empregos, na renda, na vida das pessoas", explica.

Doze dias depois do primeiro decreto sobre o combate à pandemia, surgiu a primeira vítima. Em 23 de março de 2020, uma enfermeira de 61 anos tornou-se a primeira a morrer por complicações da doença na capital federal. Na época, havia 288 casos de coronavírus confirmados na cidade. Dois meses depois, em maio do ano passado, o DF ultrapassou a marca de 100 mortos. Segundo o boletim epidemiológico divulgado pela Secretaria de Saúde em 25 de maio de 2020, 106 pessoas haviam falecido em decorrência da doença. Em julho, foi declarado o estado de calamidade pública no DF.

Ano de luta

Durante esse um ano, médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, entre outros, se arriscaram para cuidar da saúde das pessoas. De acordo com a Secretaria de Saúde, a capital conta com cerca de 31 mil servidores considerados profissionais de linha de frente. Segundo os últimos dados da pasta, 8.632 profissionais de saúde foram contaminados pela covid-19 no DF.

A enfermeira Vera Trajano, 42, faz parte desse grupo. Em agosto do ano passado, ela e nove colegas de trabalho fizeram exame para detectar a doença e todos testaram positivo. "Perdi 9 kg, tenho sequelas, muita dor nas costas. Tive 15% do pulmão comprometido e muita febre", cont. Afastada dos pais idosos, ela teve apenas o apoio do marido para se recuperar. "Até a família dele me discriminou nesse tempo. Diziam que eu ia passar a doença para todos eles", relembra.

A profissional mora em Planaltina de Goiás e acorda às 4h30 da manhã para trabalhar. Atuando na UPA da cidade e em unidades de saúde do DF, Vera alerta que os jovens também são vítimas da doença. "Não é porque está tendo a vacina que as pessoas têm que ir para a rua. Fiquem em casa, cuidem de vocês, lavem bem as mãos. Nessa nova remessa de doentes não é só o idoso que está morrendo. Jovens também estão tendo covid-19 e sendo entubados", afirma.

Com mais de duas décadas de atuação, a infectologista Joana D'arc, 48, também afirma que esse foi o ano mais intenso que viveu. "Ninguém acreditava que estaríamos no meio do furacão. Me recordo de falar 'vai ser igual ao ebola, nos preparamos: fizemos fluxos, separamos enfermarias e nada veio'. Mas, de repente, fomos surpreendidos por ondas de doentes e mortes", explica.

Os sentimentos durante esse período foram os mais variados. "A sensação de impotência nos dominou. Tensão, medo e desespero. Muitos falavam em tratamentos sem base científica, um emaranhado de informações que nos deixou confusos", diz a médica. Enquanto atuava no hospital, Joana também se preocupava com a filha de 14 anos, que foi impactada pela pandemia. "Passei por um período muito difícil de confinamento. Ela não via ninguém, eu tinha muito medo de passar algo para ela e sermos responsáveis por uma cadeia de transmissores. Tive que deixá-la longe por um tempo também", lamenta Joana.

Longe da família

O técnico de enfermagem Mansueto Firmo Netto, 54, trabalha há 35 anos na área de saúde. Responsável por cuidar de pacientes em estado grave na UTI do Hospital Regional de Ceilândia (HRC), ele perdeu um parceiro de laboratório e um primo para a doença. Mansur, como é mais conhecido pelos amigos, diz que também precisou ficar longe da mãe para evitar qualquer tipo de contaminação. "Fui vacinado, mas o medo ainda é constante. Esse foi um ano muito difícil. É muita ansiedade e depressão", conta. Apesar dos momentos ruins, ele afirma que não tem preço ver um paciente feliz e recuperado.

A enfermeira Nadine Gomes, 35, trabalha na Unidade Básica de Saúde da Asa Norte (UBS) 1 e lembra que os casos pareciam mais estáveis até o começo de 2021, mas tudo mudou. "Tínhamos poucos pacientes nesta unidade. De repente, depois do carnaval, a situação ficou insuportável. São pacientes mais novos e muitos que acabam sendo entubados", afirma.

Natural do Espírito Santo, Nadine está há um ano sem ver a família. "Minha mãe é hipertensa e diabética e tem também minha avó, de 85 anos. Fiquei sem vê-las e foi muito ruim. Me gerou um quadro de ansiedade, e minha mãe ficou muito deprimida", ressalta. Apesar disso, a enfermeira segue na luta atendendo pacientes na capital federal.

Para 2021

Para o professor de epidemiologia da Universidade de Brasília (UnB) Mauro Sanchez, o desenrolar da pandemia no DF vai depender, em grande parte, da velocidade da expansão da campanha de vacinação. "Esperamos que esse processo seja acelerado, devido ao recebimento de mais doses e o início da produção nacional dos imunizantes. Chegando a uma cobertura vacinal alta, teremos um conforto maior, principalmente para o sistema de saúde", garante.

O especialista acredita que, ainda em 2021, grande parte dos grupos prioritários serão imunizados. "Claro que isso depende de muitos fatores, e estou sendo otimista. Enquanto isso, é preciso que as pessoas continuem seguindo os protocolos de segurança, usando máscara, evitando aglomerações e utilizando álcool em gel", defende. "Só assim vamos conseguir sobreviver e não precisar de mais um lockdown na cidade."

Erros e Acertos

Especialistas em saúde avaliaram o primeiro ano da pandemia no DF. De acordo com eles, há erros e acertos

Erros
Festas clandestinas, aglomerações e desrespeito das normas, por parte da população, em um momento crítico da pandemia
Descrédito na doença por parte da população
Falta de fiscalização e multas mais duras para quem descumprisse as normas
Rastreamento epidemiológico fraco

Acertos
O primeiro lockdown foi decretado de forma rápida e teve adesão da população
A vacinação conseguiu ser feita de forma organizada
Remanejamento rápido de leitos e equipes de saúde
Treinamento rápido dos profissionais de saúde que atuariam no atendimento a pacientes com covid-19

Fontes: Leandro Machado, infectologista e professor da Universidade Católica de Brasília (UCB); Mauro Sanchez, professor de epidemiologia da Universidade de Brasília (UnB); Ana Helena Germoglio, infectologista do Hospital de Águas

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Susto e muita gratidão 

Luana Patriolino 

07/03/2021

 

 

O amor venceu. A advogada Cláudia Patrício Costa, 53 anos – a primeira paciente diagnosticada com covid-19 no Distrito Federal – e o marido, o empresário André Costa Souza, 49, o segundo que testou positivo na capital, permanecem unidos depois de lutar contra o inimigo invisível. Unidos há 29 anos, eles contaram como estão depois de passados quase doze meses desde o começo do pesadelo.

Ao Correio, Cláudia Patrício falou sobre os 105 dias de internação, o susto ao acordar do coma e a vida depois da doença. Sem imaginar o que estava por vir, no dia 4 de março de 2020, o casal voltou de uma viagem de trabalho a Londres (Inglaterra), quando a advogada afirmou estar sentindo sono e cansaço.

Eles foram para o Hospital Daher, no Lago Sul, para descobrir o motivo do mal-estar. A resposta pegou não só o casal, mas a capital inteira de surpresa: Cláudia era a primeira pessoa no DF diagnosticada com a covid-19. "Meu caso é o primeiro do país a precisar de intubação por covid. Fui, também, a primeira pessoa a resistir a esse nível de gravidade", conta Cláudia. "Era a morte que eu mais temia: asfixiada", diz.

Depois disso, as lembranças na mente da mulher não são tão claras e ela conta com a ajuda do marido para se recordar do período antes do coma. "Entrou em um nível tão grande de estresse que esqueceu de muita coisa que aconteceu e como ela foi transferida para o Hospital Regional da Asa Norte (Hran)", lembra André Costa.

Em choque ainda pelos últimos acontecimentos, o empresário afirma que ficou atordoado e sem saber o que fazer. A única certeza que tinha era a de que queria ficar ao lado da mulher para ajudá-la a superar a doença. "Nos abraçamos e choramos. Mas, como sempre, decidimos lutar juntos. Mesmo sem imaginar o que viria pela frente", conta André.

Cláudia ficou 60 dias em coma e, quando despertou, a pandemia tinha tomado outras proporções no país inteiro. A advogada ainda ficou mais 60 dias internada, sendo 35 dias em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI). "Ela só mexia os olhos", diz André Costa. Sem sequelas permanentes, a advogada faz fisioterapia e sessões com uma fonoaudióloga. "Tenho um dedo que não mexe direito e faço fisioterapia todos os dias para corrigir", explica.

Sobre o tempo que passou internada, ela ressalta o sentimento de gratidão pelos profissionais de saúde que estiveram presentes. "Tive o privilégio de encontrar médicos humanos. Deus foi muito bom comigo, pois botou os melhores profissionais no meu caminho. Nunca vou esquecer do médico dizendo que eu ia viver, sim", relembra.

Planos

Cláudia Patrício é advogada há mais de 30 anos e voltou a trabalhar na modalidade home office. Sócia do marido, ela conta que sempre passaram muito tempo juntos durante as quase três décadas de união. "Ficamos 24 horas juntos", reitera André.

O tempo em casa também serviu para a mulher investir em sonhos antigos. "Aprendi a costurar. Sempre quis aprender crochê, essas coisas, mas nunca tive tempo. Os médicos também dizem que essa atividade é muito boa para recuperar o movimento total dos dedos", revela.

Agora, o objetivo é lançar um livro sobre o enfrentamento à doença e como foi ser a primeira paciente com covid-19 no DF. O material foi escrito à mão, durante o período de recuperação, e ainda não tem data definida para publicação oficial.

Mas o casal confessa que ainda tem outro sonho não realizado: eles desejam ter um netinho e esperam boas novas em breve. "Sempre sonhamos em ser avós. Uma de nossas filhas se casou e estamos esperando", diz Cláudia Patrício, com muita empolgação.