Título: Ênfase maior no crescimento
Autor: Carlos Thadeu de Freitas Gomes*
Fonte: Jornal do Brasil, 02/03/2005, Economia & Negócios, p. A18

O estágio atual do processo de controle inflacionário na economia brasileira é de convergência de um nível moderado para o de equilíbrio de longo prazo. Em números, isso significa a redução da inflação média de 8,5% (intervalo entre 7,5% e 9,5%) para 4% ao ano. Esse estágio difere do anterior promovido pelo Plano Real, de combate à hiperinflação. Nesse sentido, maior peso poderia ser dado ao crescimento do PIB, no caso da opção por um perfil de convergência gradualista (de 8,5% para 4%). Nesse momento, a discussão deveria ser cardinal ¿ qual trajetória implica menor custo, medido pela queda do nível de atividade (ou também taxa de sacrifício). O exemplo do Chile é contundente nesse aspecto. O processo de redução da inflação de 20% para o intervalo entre 2% e 4% demonstra que o regime de metas de inflação pode ser utilizado em conjunto com uma estratégia gradualista. As limitações da política monetária, além de restringir o conjunto de preferências do Banco Central, acrescentam uma questão importante ¿ a dificuldade em estimar o nível de crescimento potencial. A teoria mais moderna não penaliza qualquer crescimento diferente do potencial, pois sabe da dificuldade de mensuração. Pelo contrário, permite que o crescimento oscile em torno de um valor estimado pelo potencial. No Brasil, o cálculo do produto potencial utiliza um modelo híbrido de função produção e o resultado é alcançado através de uma pirâmide de hipóteses. Na prática, as incertezas do modelo e o curto período relevante para o cálculo inserem o PIB potencial em um elevado intervalo estatístico. A utilização de um valor pontual pode ser considerada pretensiosa não só pelo intervalo, mas também pela constatação de que esse valor varia com o tempo.

No entanto, o que se questiona é a velocidade de alcance de 4% de inflação como o da fronteira entre o sucesso e o fracasso. A experiência da economia brasileira parece ser consistente com a inflação de 6%, oscilatória entre 4% e 8%. Assim, como a trajetória do PIB potencial, a determinação da tendência da inflação não é uma conta trivial ¿ parte dos preços (30%) ainda tem indexação plena, existe um peso muito elevado no segmento de alimentos (diferentemente dos países industrializados, cuja predominância é no setor de serviços) e as características de mercado exibem elevado grau de concentração e falta de competitividade.

Os sinais contemporâneos da inflação indicam uma aceleração no último trimestre. O nível de preços vinha acomodando até outubro, acompanhando a redução do atacado, a apreciação nominal do câmbio e a queda dos preços das commodities. Entre novembro de 2004 e janeiro de 2005, a inflação acelerou como resultado de fatores pontuais, mas também é possível verificar o crescimento do componente subjacente. Espera-se que, agora, haja acomodação para valores dentro da meta (preços livres abaixo de 0,35%). Especula-se que a tendência dos preços tenha se acelerado em grande parte pelo componente de auto-propagação do crescimento do nível de atividade. Isto é, a retomada da economia provocaria um movimento de aceleração consistente, em que a taxa de juros teria papel limitado. De fato, as respostas advindas do mercado de crédito, dos agregados monetários e da política fiscal têm apresentado sinal contrário da política monetária. As taxas finais de crédito têm recuado (na contramão da Selic), a trajetória do estoque monetário vem acelerando a uma velocidade muito elevada e a política fiscal tem sido expansionista. Esse arcabouço pode tornar mais doloroso o ciclo de juros implementado pelo Banco Central, pois tende a estar associado a um aumento maior da taxa Selic.

Os indicadores de núcleos da inflação trazem nos últimos meses o mesmo recado ¿ nível subjacente acima da convergência para meta (5,1%). Essa constatação é um dos pilares da política de aumento de juros. De fato, há muito tempo não se observam todos os indicadores de tendência pressionados. Ao mesmo tempo, os sinais do nível de atividade ainda são fortes e não parece claro que o crescimento da economia esteja acomodando.

A despeito dos cenários e dos números apresentados, a conclusão mais importante é sobre o padrão de crescimento em 2005. No curto prazo, a trajetória esperada de crescimento é favorável. Nos demais trimestres do ano, o PIB deverá variar de acordo com as decisões de política econômica e a resposta da economia ao ciclo de elevação de juros. A princípio a expansão do crédito não deve ser abortada visto que as taxas finais não têm sido influenciadas pela Selic e que, mesmo no pior cenário, a economia cresce acima de 2% (variação elevada se consideramos a base de 2004). No entanto, existe a necessidade de crescimento da renda para que o múltiplo crédito/salário não torne a atual trajetória insustentável no médio prazo.

fe do Departamento Econômico da Confederação Nacional do Comércio (CNC) e ex-diretor do Banco Central