Correio Braziliense, n. 21106, 08/03/2021. Política, p. 2
Pressão total pela PEC emergencial
Denise Rothenburg
08/03/2021
Com o número de mortes por covid-19 batendo recordes no Brasil, ao ponto de chegar ao trágico registro de 10 mil em uma semana, o governo se prepara para mais dias de tensão pela frente. A prioridade do Planalto é a aprovação do texto da PEC Emergencial, na Câmara dos Deputados, tal e qual saiu do Senado e, assim, deixar em segundo plano o movimento dos governadores, que pretendem, esta semana, anunciar medidas conjuntas para tentar conter o avanço da pandemia. Para completar, no Senado, crescem as pressões contra o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e por causa da compra de uma mansão de quase R$ 6 milhões.
A emenda constitucional é vista como a base para que o governo ganhe a sua "licença para gastar", num cenário conturbado e trágico, e possa pagar o auxílio emergencial. Ainda que o valor desse benefício seja bem inferior aos R$ 600 pagos no ano passado, é com essa emenda, e quatro parcelas mensais de R$ 250, que o governo espera contar para mostrar ao mercado que se preocupa com a questão fiscal, e à população que entende o drama de quem está com dificuldades de pôr comida à mesa. A situação ideal para o Poder Executivo é terminar tudo nesta quarta-feira, votando a PEC em dois turnos de uma tacada só, como fez o Senado. Porém esse feito ainda não está garantido, segundo cálculos de parlamentares que passaram o fim de semana consultando seus pares.
O governo, até aqui, ainda não fez nenhum teste depois da eleição de Arthur Lira (PP-AL) para presidente da Câmara para saber se tem 308 votos para o que der e vier, número mínimo necessário para aprovação de emenda constitucional. A única proposta desse tipo em discussão no plenário foi a PEC da Imunidade, a polêmica tentativa de blindar os políticos de investigações. Essa proposta, por enquanto, que saiu de cena, não pode ser considerada uma prova capaz de delimitar o campo entre o governo e a oposição, nem tampouco mede a tendência da Casa quando o tema é economia e assistência a quem precisa. O que vai deixar essa relação mais clara é justamente a PEC Emergencial.
"Jabutis"
Deputados têm dito que o texto foi desidratado no Senado, mas alguns "jabutis" continuam. Reclamam, por exemplo, do fim dos incentivos fiscais e subsídios ao setor produtivo e aos assalariados de uma maneira geral. Também há dúvidas sobre se o valor de R$ 44 bilhões é suficiente para ser fixado como o máximo a ultrapassar o teto de gastos. O líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), diz que parte da economia já voltou e que isso significa que não será necessário ampliar esse valor. "A situação está diferente agora. A economia já está se recuperando, portanto, será possível manter esse valor", disse.
A vontade de parte dos deputados de fatiar a PEC, deixando a questão dos subsídios para uma análise posterior, é o que mais preocupa o governo neste momento. O texto congela, em valores de 2019, o que é repassado para financiamento da produção no Centro-Oeste, Norte e Nordeste, e revoga o artigo constitucional 91, já regulamentado, que trata de transferências de recursos obrigatórias para estados exportadores.
"Essa parte do texto precisa ser mais bem estudada, não podemos aprovar assim", afirmou o deputado Hildo Rocha (MDB-MA), que passou o fim de semana debruçado sobre a proposta. O parlamentar é da ala emedebista que sempre votou com o governo quando o tema é economia. Mas, desta vez, não pretende repetir a dose. Na questão dos subsídios tende a seguir com a oposição, segundo a qual o mantra de aumentar o valor do auxílio emergencial será comparado com a vida nababesca de Flávio Bolsonaro em Brasília.
A ordem entre os oposicionistas é usar o plenário como um megafone para dizer que os trabalhadores passam fome nessa gestão, enquanto o filho 01 do presidente compra uma mansão sem explicar detalhadamente a transação. Por exemplo, não se sabe até hoje nada a respeito da venda do imóvel no Rio de Janeiro que, segundo o senador, foi feita para pagar parte da mansão. A ordem dos oposicionistas é cobrar que um homem público, ainda mais filho do presidente e sob investigação, detalhe todo o negócio da compra da casa de forma transparente. Até aqui, essas explicações deixam a desejar. O caso Flávio é, inclusive, citado como um fator que tem tirado Jair Bolsonaro do eixo. Ele não quer tratar desse tema, tem dito que não comprou casa, e ponto.
Lockdown
Outro tema que incomoda e muito Bolsonaro é o lockdown. Ele está convencido de que não há necessidade para o #fiqueemcasa e considera que tudo é feito para deixar a economia em dificuldades e, assim, prejudicá-lo eleitoralmente no futuro. O presidente, agora, tenta acelerar a compra de vacinas e, ao mesmo tempo, tem uma comitiva em Israel para ver o que está sendo feito por lá em termos de tratamento contra a covid-19 (leia na página 3).
Porém governadores e prefeitos, que veem de perto UTIs lotadas e colapso no sistema de saúde, têm pressa. Sabem que, se não houver uma baixa na taxa de transmissão, será muito difícil desafogar os leitos hospitalares e evitar as mortes. Governadores e prefeitos ainda tentaram fazer com que Bolsonaro entendesse esse cenário, mas, sem resposta, vão tratar diretamente com os poderes Legislativo e Judiciário, e entre si. Não por acaso, o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), declarou, ontem, na tevê que "não adianta tratar com o Pazuello, quem manda é o presidente".
R$ 44 bilhões
é o valor estimado a ser ultrapassado do teto de gastos. Mas há dúvidas se será suficiente