Correio Braziliense, n. 21106, 08/03/2021. Economia, p. 6

 

Brasil fica para trás em presença feminina

Vera Batista

08/03/2021

 

 

As desigualdades persistem no mercado de trabalho para as mulheres. No entanto, avanços vão se consolidando, e alguns dos principais órgãos globais ligados à economia estão em mãos femininas, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Secretaria do Tesouro dos Estados Unidos, a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Banco Central Europeu (BCE), entre outros. No Brasil, a realidade é muito diferente. Além da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, temos apenas três representantes em postos de peso no setor econômico governamental: duas diretoras do Banco Central e a secretária Especial do Programa de Parceria de Investimentos (PPI) do Ministério da Economia.

Christine Lagarde, atual presidente do Banco Central Europeu (BCE), ficou conhecida como a primeira mulher a comandar o Fundo Monetário Internacional (FMI). Ela também é lembrada pela carreira política e ocupou mais de um ministério na França. Com a saída de Lagarde, o cargo de diretora-gerente do FMI passou às mãos de outra mulher, a búlgara Kristalina Gueorguieva. O órgão tem, ainda, a indo-americana Gita Gopinath como economista-chefe, desde 2019.

A Organização Mundial do Comércio (OMC), desde 1º março, passou a ser liderada pela primeira vez por uma mulher. A nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala definiu como uma de suas metas promover o acesso dos países pobres às vacinas contra a covid-19. No universo de instituições multilaterais, merece destaque ainda a alemã Ursula von der Leyen, que preside a Comissão Europeia desde dezembro de 2019.

Com a chegada de Joe Biden à presidência dos Estados Unidos, a economista Janet Yellen foi confirmada pelo Senado e tornou-se a primeira mulher secretária do Tesouro americano. Yellen, de 74 anos, também foi a primeira mulher a presidir o Federal Reserve (Fed, o banco), no governo Obama. Foi, ainda, a primeira personalidade feminina a chefiar o Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca, no governo de Bill Clinton. Com a nomeação para o Tesouro, Yellen se destaca por ter ocupado os dois principais cargos econômicos do país, em duas diferentes gestões.

Mercado doméstico

No Brasil, o leme das decisões econômicas está longe do universo feminino. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, é uma das quatro representantes femininas no primeiro escalão econômico do governo Bolsonaro. Fernanda Feitosa Nechio assumiu, recentemente, a Diretoria de Assuntos Internacionais do Banco Central. Fernanda foi research advisor (consultora para pesquisa) no Federal Reserve Bank de São Francisco, onde trabalhou por 10 anos. Ela é bacharel e mestre em Economia pela PUC-Rio e PhD em Economia pela Universidade de Princeton. Além dela, no BC, Carolina de Assis Barros comanda a Diretoria de Administração. Fernanda é a quarta mulher a comandar uma diretoria na história da instituição. Além de Carolina, as outras foram Teresa Grossi e Celina Arraes.

No Ministério da Economia, Martha Seillier chefia a Secretaria Especial do PPI. Ela foi a primeira mulher a ocupar o cargo de CEO da Infraero. Já foi assessora-chefe da Casa Civil da Presidência da República, onde participou da equipe que elaborou as reformas trabalhista e da Previdência. E, também, diretora do Departamento de Regulação e Concorrência da Aviação Civil (DERC), da Secretaria de Aviação Civil da Presidência, e coordenadora no Departamento de Política do órgão.

Atualidade

Segundo a Organização Mundial do Trabalho (OIT), a Jordânia lidera o ranking dos países com mais mulheres em cargos de chefia: 62%. O Brasil aparece na 25ª posição, com 39,4%. Dados da empresa de consultoria Grant Thornton sobre o mercado de trabalho, em 2020, mostram um aumento encorajador nas mulheres em cargos no topo da hierarquia (diretoria executiva, diretoria-geral ou presidência), com aumento de cinco pontos percentuais. Mas houve declínio nos postos de diretoria financeira, "uma posição em que as mulheres têm sido tradicionalmente bem representadas", destaca o relatório.

No geral, as mulheres têm maior probabilidade de trabalhar como diretoras de recursos humanos (RH), uma função tradicionalmente forte no emprego feminino — mas a proporção dessas funções preenchidas por mulheres caiu três pontos percentuais em 2020. "É possível que as mudanças reflitam um movimento dentro do mesmo subconjunto de diretoras, ganhando promoções e mudando a função de CFO (financeiro) para CEO (executiva), sem haver progresso no número total de mulheres ocupando cargos de nível executivo", avalia o documento.

Elas são, ainda, com base nas estatísticas da Grant Thornton de 2020, 20% contra 80% de homens como CEOs, e somente 30% das CFOs. "Apesar da mudança nas funções realizadas, ainda há um preconceito de gênero em todas as funções seniores. As mulheres mais velhas são a maioria propensa a trabalhar como diretora de RH, mas ainda são fortemente superadas por homens, que representam 60% dos diretores de RH", reforça o levantamento.

O que vem por aí

As saídas para possíveis mudanças não são fáceis. A era da automação e as tecnologias de inteligência artificial (IA) vão oferecer novas oportunidades de emprego e caminhos para o avanço econômico, mas as mulheres tendem a enfrentar novos desafios, sobrepostos aos antigos. Entre 40 milhões e 160 milhões de mulheres em todo o mundo precisarão fazer a transição entre ocupações atuais e futuras até 2030, geralmente para funções de maior qualificação. Na verdade, mulheres e homens precisam ser qualificados, flexíveis e ter conhecimento de tecnologia.

Mas as mulheres enfrentam barreiras generalizadas em cada uma delas e precisarão de apoio direcionado para avançar no mundo do trabalho afirma o relatório O futuro das mulheres no trabalho: Transições na era da automação, elaborado pelo McKinsey Global Institute (MGI). O MGI conclui que, se as mulheres fizerem essas transições, estarão no caminho para ser mais produtivas e mais bem pagas. Do contrário, podem enfrentar uma disparidade salarial crescente ou ficar ainda mais para trás.

_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Destaques no setor público 

08/03/2021

 

 

As mulheres fazem diferença no serviço público, ainda mais quando estão em cargos de liderança. Um dos exemplos da força feminina é a servidora pública Natália Teles. Ela ajudou a criar a Escola Virtual.Gov, um portal do governo que oferece cursos gratuitos de ensino a distância para o funcionalismo e para a sociedade em geral. Diversas instituições são parceiras dessa escola, inclusive algumas de renome internacional.

"Dificuldades são gatilhos de transformação", diz Natália. Foi em um momento muito difícil da vida que a brasiliense começou a empreitada da EscolaVirtual.Gov: havia acabado de perder a mãe, vítima de câncer, e dado à luz o primeiro filho.

Natália foi a vencedora do prêmio Espírito Público 2020, na categoria Gestão de Pessoas, que é concedido pelo Instituto República. A República.org trabalha para que mais mulheres ocupem posições de liderança e para melhorar a gestão de pessoas no serviço público.

Outra mulher que se destacou no serviço público foi a servidora gaúcha Pâmela Billig Mello Carpes, professora associada da Universidade Federal do Pampa, que também recebeu o prêmio Espírito Público.

Ao longo de uma década, Pâmela trabalhou para fazer a diferença na vida de estudantes e da população de Uruguaiana (RS). Atualmente, ela é responsável por um projeto que tenta desvendar questões sobre a memória e aprendizagem de crianças no ambiente escolar. O trabalho de neurociência atende diversas escolas públicas de Uruguaiana.

A cientista criou o Programa PopNeuro: Ações para divulgação e popularização da neurociência nos colégios da região. Um dos objetivos do programa é quebrar o estereótipo de que mulheres não podem estar na ciência. Pâmela busca estimular o caminho da pesquisa e da ciência nas estudantes e, assim, superar o desequilíbrio de gênero nessas áreas. A profissional pública foi, também, uma das cientistas a reivindicar a inclusão da licença maternidade no currículo Lattes.

Dados publicados pela Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (Anesp) mostram que, no serviço público federal, do total de DAS (cargos de Direção e Assessoramento Superior), em 2018, as mulheres ocupavam 43%. Mas, quanto mais próximo da liderança, maior a discrepância entre os sexos. "No geral, as mulheres estão bem representadas até o nível 3, quando ocupavam 48% das posições. A partir do nível 4, vê-se uma diminuição da participação delas nos cargos de confiança. No nível 6 elas representam apenas 17%", lembra Pâmela. (VB)