Valor econômico, v. 21, n. 5194, 24/02/2021. Brasil, p. A4

 

Intervenção na Petrobras é ‘ruído’ e pode afetar atividade

Ana Conceição

24/02/2021

 

 

Para economistas, governo erra ao adicionar mais incerteza à economia

A intervenção do presidente Jair Bolsonaro na Petrobras pode levar a uma piora das condições financeiras e a um consequente impacto negativo na atividade, se a medida se materializar em mudanças de fato na política de preços da estatal.

Economistas afirmam que é preciso acompanhar o desenrolar do caso para avaliar melhor o dano potencial ao crescimento previsto para o ano. Mas é consenso de que este não é o momento para adicionar ainda mais ruído à economia.

“É cedo. Precisamos acompanhar essa história, ver até onde chega, para ter ideia dos potenciais efeitos para a atividade”, afirma Alessandra Ribeiro, sócia-diretora da área de macroeconomia da Tendências Consultoria.

Se confirmada a interferência na gestão de preços praticados pela estatal, o impacto para a atividade seria negativo.

A Tendências estima crescimento de 2,9% neste ano, abaixo da mediana do Focus, de 3,3%, e deve manter esse cenário conservador por causa do recrudescimento da pandemia e das incertezas fiscais.

“Em princípio, não devemos mudar esse número, mas há um risco baixista”, diz Ribeiro.

Hélcio Takeda, sócio da Pezco Economics, argumenta que, se não houver mudança na política de preços da petroleira, a pressão vista sobre os ativos financeiros nos últimos dias refluirá.

“Vai se dissipar ao longo do tempo se não houver uma alteração efetiva”, diz ele.

A Pezco estima crescimento do PIB em 3% em 2021. Por um lado, espera recuperação na atividade de serviços com o avanço da vacinação. Por outro, considera esgotado o ímpeto de consumo de bens duráveis que puxou o varejo em 2020.

Ainda sobre a Petrobras, de imediato, a decisão do presidente da República afeta a confiança dos agentes, num momento em que as estimativas de crescimento estão sendo revisadas para baixo, e as de inflação, para cima, observa Takeda.

A reação inicial do mercado ao anúncio de Bolsonaro foi uma forte alta nos juros futuros, depreciação cambial, queda da bolsa e aumento do risco-país, na segunda-feira.

Ontem, houve uma descompressão com notícias relacionadas à privatização da Eletrobras e expectativa de avanço da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Emergencial no Congresso.

“Se os preços continuarem a oscilar ao redor dos patamares atuais, depois de certa defasagem, podem afetar a atividade econômica. Juros mais altos encarecem o crédito. É um canal direto. A percepção de risco mais alto se refletiria num câmbio mais depreciado, que elevaria as expectativas de inflação e poderia levar a um Banco Central mais duro em relação ao ajuste na política monetária”, diz Ribeiro, da Tendências.

O câmbio, afirma Takeda, é uma variável que tem frustrado as expectativas na medida em que muitos imaginavam uma taxa mais próxima de R$ 5,15 e R$ 5,20 nesta época que os atuais R$ 5,44, o que já ajuda a piorar a expectativa de inflação.

Os ruídos trazidos pela intervenção de Bolsonaro na Petrobras se adicionam a esse cenário.

No episódio envolvendo a estatal chama novamente atenção a perda de força do ministro da Economia, Paulo Guedes, e de sua agenda, mais uma vez colocada em xeque, diz Juan Jensen, sócio da 4E Consultoria.

“O risco é o governo seguir para uma trajetória fiscal ruim, o que naturalmente bate em câmbio, em inflação, pressiona o prêmio de risco, reduz investimento e prejudica a trajetória de recuperação”, comenta.

A 4E estima crescimento de 3,7% neste ano, uma projeção que por enquanto está mantida diante de uma expectativa de recuperação no setor de serviços, em especial no segundo semestre, quando a vacinação contra a covid-19 estiver mais avançada.

A consultoria casa também espera para o segundo semestre retomada do emprego com recomposição de horas trabalhadas e da massa de salários.