Valor econômico, v. 21, n. 5194, 24/02/2021. Política, p. A10

 

Lira põe em votação expressa PEC para dificultar prisão de parlamentar

Raphael Di Cunto

Marcelo Ribeiro

24/02/2021

 

 

Autor da PEC é o deputado tucano Celso Sabino (PA)

Um dia depois do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro determinar o afastamento da deputada Flordelis (PSD-RJ) do mandato, após meses denunciada por supostamente ordenar o assassinato do marido, a Câmara deve fazer uma tramitação expressa e votar proposta de emenda à Constituição (PEC) para restringir as possibilidade de prisão de parlamentares e impedir o afastamento do mandato.

O texto foi protocolado ontem, após reunião informal entre parlamentares do PP, PL, Republicanos, DEM, PV, PSDB e PSD para elaborar uma minuta, e já entrou em pauta hoje.

A proposta revoga parte do fim do foro privilegiado, impede que juízes de primeira e segunda instância mandem prender ou autorizem busca e apreensão contra deputados, determina que políticos não podem ficar inelegíveis por condenações no Supremo Tribunal Federal (STF) se não houver julgamento por outra instância antes e limita a possibilidades de prisão e as investigações.

A proposta ganhou tração apesar de Flordelis estar denunciada desde agosto por cinco crimes, entre eles homicídio triplamente qualificado, e manter o mandato na Câmara. Das 11 pessoas denunciadas junto com ela pelo assassinato, nove estão presas, mas ela ficou solta, segundo o Ministério Público, por ter imunidade parlamentar - só pode ser presa em flagrante por crime inafiançável. O processo contra ela no Conselho de Ética só começou a tramitar ontem, após seis meses, mas o caso não gerou grande repercussão na Câmara.

A discussão sobre a imunidade parlamentar só ocorreu, e de forma expressa, por causa da prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) por ataques aos ministros do STF num vídeo nas redes sociais. A Câmara o manteve preso, mas agora quer votar de forma expressa um projeto para “clarear” o que é de fato crime inafiançável e o flagrante.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), anunciou que um grupo de trabalho seria formado para “regulamentar” o dispositivo e o tema já entrará em votação hoje direto no plenário, embora ainda estivesse na fase de coleta de assinaturas na noite de ontem. A intenção dele é enviar o texto direto ao plenário, mesmo se tratando de uma PEC, aproveitando que as comissões permanentes ainda não foram instaladas. O rito normal seria que uma PEC fosse discutida primeiro na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e depois por uma comissão especial antes de ser submetida em dois turnos no plenário.

Pelo texto, só serão crimes inafiançáveis, pelos quais os deputados poderão ser presos antes da condenação judicial os listados na Constituição: racismo, tortura, tráfico de drogas, terrorismo, a ação de grupos armados contra o Estado Democrático e crimes hediondos. Assassinato, por exemplo, não estará incluído nesse rol, a não ser que seja qualificado (quando o ato envolve “perversidade” ou motivo fútil).

Não houve mudança na exigência de flagrante, mas a prisão, se a PEC do deputado Celso Sabino (PSDB-PA) for aprovada, só poderá ocorrer por decisão dos ministros do STF, não poderá ocorrer no plantão forense (o que deixa brechas para que crimes cometidos durante o fim de semana fiquem impunes) e só será efetivada após julgamento pelo plenário da Corte. Silveira foi preso por liminar do ministro Alexandre de Moraes.

Após isso, a Câmara será notificada e terá 24 horas para decidir, por maioria, se aceita a prisão. Enquanto o caso não é votado, o preso não ficará mais custodiado pelo Judiciário, mas pelo próprio Congresso, que decidirá onde será cumprida a prisão em flagrante - segundo um parlamentar que participou da construção da minuta, a “prisão” poderá ser inclusive em domicílio.

Juízes de primeira e segunda instância não poderão determinar a prisão, mesmo em flagrante de crime inafiançável, e nem aprovar ações de busca e apreensão na residência ou gabinetes dos parlamentares. A PEC reverte parte do fim do foro privilegiado, restrito pelo Supremo aos casos que envolvam o mandato, e diz que apenas o STF poderá permitir essas investigações, mesmo que se tratem de crimes comuns.

Além disso, a PEC proíbe que o Judiciário determine o afastamento de um parlamentar, como já ocorreu com o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e mais recentemente com o deputado Wilson Santiago (PTB-PB), acusado de liderar um esquema de desvio de verbas públicas. Ambos tiveram a suspensão do cargo rejeitada pelo Congresso. O caso do petebista até hoje sequer chegou ao Conselho de Ética, mais de um ano após a votação. “Com a PEC você tira do Judiciário a prerrogativa de afastar um deputado. Somente o Congresso vai poder analisar isso. É uma espécie de delimitação maior da fronteira entre o Judiciário e o Legislativo”, disse o advogado Moroni Costa.

Outro dispositivo desenhado especificamente para evitar algo que ocorreu com Silveira é que, se a prisão for mantida pelo Congresso, o juiz competente deverá promover em 24 horas uma audiência de custódia e decidir sobre o pedido do Ministério Público para conceder a liberdade provisória, aplicar medidas cautelares ou converter a prisão de em flagrante em preventiva.

Havia a expectativa entre os deputados de que Silveira seria solto na audiência de custódia na quinta-feira, já que o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu que a prisão fosse domiciliar e com tornozeleira eletrônica após denuncia-lo ao STF, mas o juiz disse no dia que só analisaria o pedido do MP após a votação da Câmara. Até o momento, Silveira continua preso. O processo contra ele no Conselho de Ética começou a tramitar ontem, mas, nos bastidores, os parlamentares do Centrão falam em evitar a cassação e aplicar uma suspensão de 90 dias do cargo.

O texto da PEC ainda determina que a Lei de Ficha Limpa só valerá para tornar algum político inelegível quando houver o duplo grau de jurisdição, mesmo que a primeira decisão seja colegiada. Hoje os parlamentares federais são julgados pelas turmas do STF e podem ficar inelegíveis com a condenação apenas por uma instância, por esta ser colegiada. Com a mudança, seria exigido um julgamento pelo pleno.

Para a deputada Fernanda Melchiona (Psol-RS), não se trata de regulamentação da imunidade parlamentar, mas um “salvo conduto” para qualquer tipo de crime. “Com tantos casos de corrupção e mais recentemente de autoritarismo parece a PEC da Impunidade”, disse.