Título: Penas soltas ao vento
Autor: Sergio Ferolla e Paulo Metri
Fonte: Jornal do Brasil, 02/03/2005, Outras Opiniões, p. A11

O ato de confundir é fácil, pois basta lançar a inverdade, sem grande comprovação, e confiar que o leitor não terá motivação para buscar a confirmação. O difícil é, após o estrago, conseguir restaurar a verdade. É como recolher penas soltas ao vento. Em 13 de janeiro, o Jornal do Brasil publicou um artigo de dois economistas, intitulado ¿Energia em 2005: hora de decisão¿, que destaca: ¿no setor de petróleo, apesar das sucessivas altas de preços no mercado internacional, o governo manteve os preços internos da gasolina e do óleo diesel abaixo do mercado internacional¿. Devemos acrescentar: ¿Graças a Deus¿, pois o brasileiro precisa, exatamente, dos nossos produtos baratos, sem embutir a ganância dos especuladores que comercializam petróleo e derivados no exterior. Em novo parágrafo, afirmam que ¿a prolongada defasagem nos preços mostrou a inviabilidade de novos projetos de refino no Brasil, fora da órbita da Petrobrás¿. Ora, se novos projetos de refino só chegam no Brasil se os preços dos derivados forem elevados para o consumidor e se há uma alternativa com preços mais baixos, resultante do refino pela Petrobrás, saudemos a inviabilidade dos novos projetos.

Eles argumentam: ¿no caso da exploração e produção de petróleo, a 6ª rodada foi marcada pelo risco regulatório¿. O risco, na 6ª rodada, foi para as empresas transnacionais, porque, por pouco, não iam abocanhar área alguma, como conseqüência da Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre a Lei do petróleo (9.478/97) colocada no STF pelo governador Requião e acatada pelo relator do processo, ministro Carlos Britto, preocupados em preservar a Carta Magna e o interesse da sociedade. O risco regulatório para a sociedade continua existindo porque a Lei citada continua em vigor.

Mais adiante, afirmam: ¿alem disso, continua crescendo a hegemonia da Petrobrás, cuja participação média saltou de 20% nas duas primeiras rodadas para 70% nas duas últimas¿. Pela Petrobrás ter alcançado esse índice, ela merece elogios, uma vez que ganhou as áreas em concorrências.

Em um ponto admiramos os autores, pois eles são autênticos, já que não se sentem constrangidos em continuar com a tese do petróleo ser uma simples commodity, depois que o barril ultrapassou os U$ 40 e os Estados Unidos invadiram o Iraque para dar o exemplo a quem tem petróleo e quer ser rebelde. Para eles, ¿a Petrobrás deve ter uma gestão empresarial¿, o que acarreta para os acionistas, muitos estrangeiros, maiores dividendos, em detrimento da sociedade brasileira. Para nós, a Petrobrás deve ter uma gestão profissional, atendendo às metas empresariais, mas resguardando os interesses da sociedade. O modelo do setor de petróleo criado pelo governo anterior é um fracasso. Os ideólogos da mudança queriam a abertura externa para trazer competição e, com isso, baratear o preço dos derivados no país. Erraram, pois não há competição na oferta de petróleo e os preços estão sempre crescendo. O sistema antigo protegia o mercado interno do exorbitante preço internacional.

Além disso, a Petrobrás é a única que recolhe grandes quantias de impostos e taxas no setor. Ela descobriu muito petróleo no Brasil, no passado e na atualidade. É quem melhor conhece a tecnologia de águas profundas, quem mais investe na prospecção e produção no país e quem se preocupa em realizar o máximo de compras locais, além de ajudar a sociedade em vários aspectos.

As mudanças de 1997 na legislação nunca foram trazidas para debate: as multinacionais recebem a propriedade do petróleo descoberto, têm liberdade para exportá-lo, não têm obrigação de preservar no solo reservas para suprir as necessidades de médio prazo do país, assinam contratos de validade de 30 anos e os desacordos são resolvidos em câmaras de arbitragem internacionais. Criaram até o eufemismo: ¿o monopólio não foi extinto, só flexibilizado¿, quando um monopólio flexibilizado não é mais monopólio.

Por felicidade, quem fez essas mudanças no arcabouço jurídico, não as fez corretamente. Assim, o STF tem uma chance ímpar, nos próximos dias, quando a ADI for para julgamento, de corrigir a inconstitucionalidade da lei e, de passagem, corrigir todos os malefícios sucintamente descritos.

*Sergio Ferolla é brigadeiro e membro da Academia Nacional de Engenharia. Paulo Metri é conselheiro do Clube de Engenharia