Correio Braziliense, n. 21110, 12/03/2021. Política, p. 3

 

Gilmar acusa Ernesto de propagar fake news

12/03/2021

 

 

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), desmentiu e chamou de "fake news" uma sequência de publicações feitas pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, no Twitter, sobre a condução da pandemia no Brasil. Nas mensagens, em inglês, o chanceler repetiu a afirmação feita pelo presidente Jair Bolsonaro de que uma decisão da Corte tirou o poder do governo federal para determinar medidas de enfrentamento à covid-19. O magistrado, também em inglês, classificou o comentário como "fake news".

As declarações foram feitas na esteira de uma matéria veiculada na rede americana CNN, que repercutia o "dia mais mortal" da covid-19 no Brasil. Antes da briga virtual dos ministros, em novo recorde, o país registrou 2.286 mortes pela doença em 24 horas.
"A CNN entende tudo errado sobre Brasil e Covid. Aqui estão os fatos: após uma decisão da Suprema Corte de abril de 2020, os governadores estaduais — não o presidente — têm, na prática, toda autoridade para estabelecer/administrar todas as medidas de distanciamento social", escreveu Araújo.

Também em inglês, Gilmar Mendes rebateu a informação distorcida pelo chanceler. "Fake news! Aqui está o fato: o Supremo Tribunal Federal decidiu que as administrações federal, estadual e municipal têm competência para adotar medidas de distanciamento social. Todos os níveis de governo são responsáveis pelo desastre que enfrentamos", enfatizou o ministro do STF.

Dando continuidade ao bate-boca, Araújo fez sua réplica. O chanceler escreveu ao ministro que sua publicação anterior não afirmava que a decisão do STF "literalmente" tinha decidido tirar a autoridade do governo federal, mas, sim, que, "na prática", esse foi o efeito da medida.

"Leia de novo, por favor. Eu disse 'após uma decisão da Suprema Corte' que significa 'como consequência de', não 'como literalmente declarado em'. E eu disse 'na prática', indicando o efeito da decisão na vida real. Na prática, os governadores tomaram todas as medidas que desejavam, e o governo federal paga a conta", comentou Araújo. Gilmar Mendes não respondeu.

Fux pede união
Ontem, antes de dar início aos julgamentos na sessão plenária, o ministro Luiz Fux, presidente do STF, fez um pronunciamento para lamentar as perdas da pandemia. "O custo humano do coronavírus ainda cresce", disse. "Hoje, ao tempo em que muitos países já visualizam a porta de saída da pandemia, o Brasil ainda vive o seu quadro mais crítico desde março de 2020", acrescentou.

A data escolhida é simbólica: há um ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarava o surto do novo coronavírus, até então considerado uma doença localizada, como uma pandemia.

No discurso, o presidente do Supremo lamentou que, desde então, o cenário do Brasil ainda seja "preocupante" e falou em um sentimento de "incredulidade e desesperança" que arrebata parte da sociedade. Fux aproveitou para prestar solidariedade aos brasileiros que perderam familiares e amigos e perguntou "até quando" o país contará mortos.
"Esses indicadores não são apenas números, mas representam pais, mães, avós, tios, filhos, irmãos e amigos; não são apenas óbitos, mas decerto vidas interrompidas, sonhos frustrados e lares desestruturados", reforçou.

O ministro também pregou "diálogo e união" entre os Poderes para enfrentar a crise causada pela doença. "O nosso país precisa, mais do que nunca, de diálogo e de união entre os três Poderes, entre os agentes políticos de todos os níveis federativos e de todas as ideologias, entre os setores público e privado, e, enfim, entre todos os cidadãos. Precisamos trabalhar em prol de medidas eficazes para que a ciência e os bons propósitos possam, finalmente, vencer o vírus. Não temos tempo a perder", ressaltou. Nos últimos 12 meses, mais de sete mil processos relacionados à pandemia foram decididos no tribunal.

Responsabilidade dividida
Em 18 de janeiro, o Supremo publicou nota esclarecendo que nunca proibiu o governo federal de estabelecer medidas de combate à covid-19. "Na verdade, o plenário decidiu, no início da pandemia, em 2020, que União, estados, Distrito Federal e municípios têm competência concorrente na área da saúde pública para realizar ações de mitigação dos impactos do novo coronavírus. Esse entendimento foi reafirmado pelos ministros do STF em diversas ocasiões", destacou o texto.