O globo, n. 31973, 19/02/2021. País, p. 7

 

Senador que escondeu na cueca R$ 30 mil retoma mandato

Julia Lindner

19/02/2021

 

 

Em carta a parlamentares, Chico Rodrigues afirmou que não conseguiu manter “comportamento de equilíbrio adequado”

Depois de quatro meses afastado do cargo, o senador Chico Rodrigues (DEMRR) reassumiu o mandato ontem prometendo provar a sua inocência na Justiça. Em carta enviada a parlamentares da Casa, Rodrigues diz que não conseguiu manter “o comportamento de equilíbrio mais adequado” e entrou em “pânico” ao esconder cerca de R$ 30 mil na cueca, durante operação da Polícia Federal (PF) em outubro do ano passado.

O senador alega que, na ocasião, chegou a ficar em dúvida se estava sendo alvo de uma “operação policial ou de ação de uma quadrilha especializada”. Além disso, Rodrigues voltou a dizer que a quantia escondida por ele seria usada para pagar funcionários de sua empresa e negou participação em desvios na área da saúde durante a pandemia da Covid-19.

Ao relembrar a operação da PF, o senador afirmou que o seu comportamento pode ser rotulado como “ridículo” ou “lamentável”, mas que os fatos o absolvem de qualquer tipo de má conduta porque o dinheiro em espécie encontrado com ele é compatível com o seu patrimônio e foi declarado em seu imposto de renda. No documento, Rodrigues declara participação na empresa San Sebastian, no valor de R$ 350 mil.

“Posso ter cometido atos que, vistos de fora do prisma daquele lugar, naquele momento, com o medo e a responsabilidade de ter de assegurar os recursos destinados ao pagamento dos funcionários de empresa de minha família, podem ser rotulados como ridículos ou lamentáveis. Posso ser criticado e, sendo sincero, venho sofrendo um pesadelo de ter uma vida inteira de serviço público prestado ao meu estado e ao meu país ser reduzida e sintetizada a uma expressão degradante e que não reflete o que fui, o que sou e o que fiz ao longo de toda uma vida”, diz no texto.

Nos últimos dias, Rodrigues foi procurado por alguns senadores para que prorrogasse o período de afastamento por pelo menos mais dois meses. O objetivo é evitar que a volta do parlamentar aumente a pressão pela instalação do Conselho de Ética, destinado a analisar representações e denúncias contra os congressistas. O colegiado está sem funcionar desde 2019.

“ENORME PADECIMENTO”

Em outro trecho da carta, ele reforça que incluiu um documento oficial da Procuradoria-Geral do Estado de Roraima informando que nenhum recurso das emendas destinadas por ele para a área da saúde, que somam R$ 19 milhões, foi empenhado ou gasto até o presente momento pelo governo estadual.

No início do documento, ao anunciar que está reassumindo as funções do mandato, o senador diz que passou por “um período de enorme padecimento pessoal, familiar e político”. Rodrigues afirma, ainda, que foram “meses de condoída e solitária prosternação” e que teve de fazer uso de medicamentos psiquiátricos para “restaurar o mínimo de sanidade”.

“Quanto a mim, irei carregar para sempre a chagas dessa excruciante provação. Mas creio que não devo transformar o sofrimento profundo que ainda sinto em mágoas ou revolta.”

Como esperado, o retorno de Rodrigues aumenta a pressão para a instalação do Conselho de Ética. O senador Otto Alencar (PSD-BA) defende que o colegiado seja convocado imediatamente:

—Voltar para o Senado e a comissão responsável por esse caso não se reunir, não indicar um relator e não julgar... Vai ficar um caso de omissão muito grave. O Senado tem a comissão determinada para julgar esses casos. E esse (caso) especialmente chamou atenção do Brasil como um todo e gerou constrangimento para a instituição do Senado pela forma bizarra como ocorreu —afirmou Alencar.