O globo, n. 31973, 19/02/2021. Sociedade, p. 14

 

Esperança pós-vacina: idosos se reencontram depois de 11 meses

Aline Ribeiro

19/02/2021

 

 

Com a expectativa da Chegada da segunda dose, asilos retomam aos poucos atividades internas e Visitas de familiares

Havia 11 meses que os aposentados José Marcelo e Ana Maria Guerra não se viam pessoalmente, sem a intermediação de uma tela de celular. Em 48 anos de casados, nunca tinham passado tanto tempo separados. José Marcelo vive em uma casa de repouso para idosos no bairro da Pompeia, região Oeste de São Paulo. Com a pandemia, visitas e saídas foram proibidas para preservar a saúde de moradores e funcionários. Na semana passada, depois de receber a primeira dose da vacina contra a Covid-19, ele finalmente conseguiu reencontrar sua companheira.

Com a expectativa da chegada da segunda dose do imunizante, a esperança voltou aos asilos paulistanos. Nos corredores das casas de repouso, moradores já abordam funcionários perguntando quando poderão sair novamente para ir ao banco ou fazer compras. Aos poucos, algumas instituições estão retomando o planejamento de atividades internas e comemorações para pequenos grupos. E liberando visitas de familiares, de forma controlada.

Até a semana passada, 19.182 idosos residentes dos asilos públicos e privados da cidade de São Paulo haviam recebido a primeira dose da CoronaVac, a vacina produzida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, de acordo com a Secretaria municipal de Saúde. Para garantir a eficácia da vacinação, a segunda aplicação do fármaco deve ser feita em até 28 dias. Segundo a secretaria, a segunda dose começou a ser distribuída na última sexta-feira.

Na quinta-feira passada, data marcada do encontro, Ana Maria chegou ao Residencial São Lucas carregando sacolas com mimos para o marido —iogurte, achocolatado em pó e uvas. Maquiada e de unhas pintadas de vermelho, acomodou-se no banco do jardim da casa de repouso enquanto esperava por ele. A visita surpresa foi acompanhada pelo GLOBO.

‘SENTIMENTOS REPRESADOS’

Ao se aproximar de bengala e com a ajuda de uma funcionária, José Marcelo caiu no choro quando avistou a companheira.

—Estava há muito tempo com os sentimentos represados, sem conseguir extravasar nada. Por isso me emocionei tanto. Ela parecia uma atriz de cinema me esperando —disse José Marcelo Guerra, já se recompondo. —Me sinto muito solitário e infeliz sem a presença dela. Ela é tudo para mim.

Aos 76 anos, José Marcelo é dermatologista aposentado. Depois de enfrentar um câncer, acabou deprimido e foi internado num hospital psiquiátrico em outubro de 2018. Desde o final daquele ano, vive na casa de repouso. Antes da pandemia, saía algumas vezes na semana para passeios. Visitava parques e almoçava em restaurantes. Estava sempre em contato com a mulher e os dois filhos.

Com a chegada do coronavírus, diz que sua rotina ficou entediante. Em especial porque, por ser um dos mais novos do asilo, se sente sem companhia para conversar.

Durante a visita de Ana Maria, os dois se sentaram com distanciamento e tiveram de esticar os braços para tocar as mãos higienizadas com álcool. Passaram os quase 30 minutos do encontro com os dedos entrelaçados. Enquanto José Marcelo a atualizou sobre sua condição de saúde, Ana Maria mostrou fotos do único neto. Emocionaram-se mais de uma vez. Na hora da despedida, ele pediu um beijo. A mulher rapidamente colocou as mãos na frente do rosto, protegendo-se da investida. Contato físico só depois da segunda dose, ela explicou.

Na mesma casa de repouso, a aposentada Alice dos Anjos, de 104 anos, mostra orgulhosa o braço onde recebeu a primeira dose da vacina, dias antes. Nascida em Almendra, uma vila ao Norte de Portugal, veio para o Brasil com os pais aos seis anos. Disse ter passado por muitas pestes, mas nenhuma a pegou. Durante a pandemia, Alice perdeu sua melhor amiga da casa de repouso, Wilman. Cardiopata, ela precisou ser levada ao hospital, pegou coronavírus e não retornou mais.

Com as visitas proibidas desde o início da pandemia, Alice teve de lidar com a morte da amiga longe de seus familiares. Agora, com a expectativa de tomar a segunda dose, está ansiosa para reencontrá-los. Apesar de os três filhos já terem morrido, ela tem muito apego às netas.

—Estou com muita, muita saudade delas. Tenho muita preocupação. Não durmo direito à noite, choro de saudade. Elas são como minhas filhas. Assim que tudo isso acabar, quero voltar para minha terra, o Paraná, e levar minhas netas comigo.