Título: Novo órgão fundiário na Amazônia racha o governo
Autor: Quadros, Vasconcelo
Fonte: Jornal do Brasil, 26/11/2008, País, p. A7

SAE e Incra já não escondem disputa pela paternidade da regularização

Vasconcelo Quadros

BRASÍLIA

A criação de um órgão para coordenar a regularização fundiária na Amazônia, proposta pelo ministro Mangabeira Unger, da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) provocou ontem um racha no governo. A reação partiu do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que terá suas funções esvaziadas caso o presidente Lula concorde com uma das alternativas ¿ uma agência executiva ou uma autarquia semelhante ao Inmetro ¿ que repousam atualmente na mesa da ministra Dilma Roussef, da Casa Civil.

¿ Esse órgão não é necessário. É bobagem ¿ reagiu ontem o presidente do Incra, Rolf Hackbart, que se recusou a participar do seminário Desafio da Regularização Fundiária na Amazônia, promovido pela SAE e Banco Mundial, aberto ontem de manhã por Mangabeira Unger, pela ministra Dilma Rousseff e pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes.

Hackbart diz que as discussões que interessam estão ocorrendo no âmbito de um grupo de trabalho coordenado pela Casa Civil.

¿ O debate promovido pela SAE é bom, mas nós já estamos discutindo esse assunto com a ministra Dilma ¿ afirma o presidente do Incra.

Ele afirma que a proposta de criação de um novo órgão, em nome da criação de um polo de desenvolvimento sustentável, resultaria na distribuição de terras num modelo exclusivamente capitalista e sem critérios de avaliação de quem ocupa atualmente as terras ou do impacto ambiental.

¿ A destinação do patrimônio ao desenvolvimento deve ser um não à farra fundiária e um não à criação de commodities para vender no mercado ¿ afirma Hackbart.

A proposta de Unger retiraria do Incra a atribuição da regularização fundiária nos nove Estados da Amazônia Legal, deixando ao órgão apenas a ação sobre os assentamentos rurais que já estão em andamento. Unger propôs ontem, durante o seminário, que os módulos fundiários de até 400 hectares sejam doados pelo Estado aos pequenos posseiros. As propriedades até 1.500 hectares entrariam no processo de regularização acelerada, o que implicaria em legalizar a posse de quem já a está legitimado, numa espécie de doação. As áreas entre 1.500 a 2.500 hectares ficariam num limbo por necessitar de licitação. As que tiverem tamanho superior, simplesmente seriam retomadas pelo governo federal. A União é dona de mais de 102 milhões de hectares na região, mas não tem diagnóstico das ocupações.

Cautelosa e informada sobre as divergências entre os dois órgãos, a ministra Dilma Rousseff explicou ontem que o governo estuda a proposta de Unger, ainda não tem um formato sobre como deverá ser o novo órgão, mas está preocupado com o caos fundiário que jogou na ilegalidade mais de 96% de um vasto território que representa mais de 60% da superfície do Brasil.

¿ A regularização fundiária da Amazônia é estratégica. Se não colocar um marco legal, fica difícil fazer uma proposta de desenvolvimento sustentável para a região ¿ disse a ministra.

Preocupada com a diversidade de interesses existentes na região, Dilma alertou para os riscos de uma corrida pela regularização que agrave ainda mais o precário quadro fundiário. A Amazônia é palco de um dos mais violentos processos de grilagem de terras do mundo e alvo da cobiça internacional de ONGs e empresários nacionais e estrangeiros de olho na produção de biodiesel. A crise internacional também acabou interferindo nos planos do governo para a região. Para evitar a inibição de investimentos estrangeiros, a Advocacia Geral da União (AGU) engavetou uma decisão em que aconselharia restrição de capital internacional na compra de terras no país.